A cidade que não conhece Allyrio

26 de junho de 2023 Off Por funes

A cidade que não conhece Allyrio por Delzymar Dias.

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 23/06/2023.

Allyrio Meira Wanderley foi um escritor que nasceu no Sertão paraibano e rodou o mundo literário na primeira metade do século 20. Nasceu na fazenda Campo Comprido, município de Patos (PB), e, desde cedo, mostrava-se uma figura inquieta com as situações onde entendia haver algum tipo de desarranjo ou injustiça. A primeira vez que eu escutei seu nome foi através de um amigo que não está mais entre nós.Mário Gregório Cabral Diniz foi uma das pessoas mais inteligentes que eu conheci e fazia analogias fantásticas envolvendo a figura de Allyrio. Lamento profundamente que, 10 anos após a partida de Mario e quase 70 anos depois da morte de Allyrio, as pessoas continuem sem acesso aos seus livros e sem conhecer as histórias em torno de sua obra.

É inadmissível sob todos os aspectos que as obras de Allyrio não estejam à disposição. Allyrio precisa serlido, não para ser cultuado, não se trata da necessidade de criação ou adoração de mais um vulto histórico ou
literário. A questão aqui é também de
reparação histórica sobre um escritor
que provocou certos impactos e que
70 anos após a sua morte, grande parte dos seus conterrâneos desconhece
plenamente a sua obra.

É inadmissível sob todos os aspectos que as obras de Allyrio não estejam à disposição. Allyrio precisa ser
lido, não para ser cultuado, não se trata da necessidade de criação ou adoração de mais um vulto histórico ou
literário. A questão aqui é também de
reparação histórica sobre um escritor
que provocou certos impactos e que
70 anos após a sua morte, grande parte dos seus conterrâneos desconhece
plenamente a sua obra.

Allyrio publicou diversos romances, entre eles, Sol criminoso, Os brutos e Bolsos Vazios, que ainda giram em pequenos e fechados círculos literários da atualidade e tiveram boa repercussão quando foram publicados. Seu livro mais polêmico é, sem dúvida, As Bases do Separatismo. Foi através dessa obra que conheci o estilo apimentado e fascinante da sua escrita. Mesmo não concordando com todos os aspectos das suas abordagens no campo da sociologia, soltei um sorriso ao ler sua análise sobre a construção da unidade nacional, na qual ele chama de uma farsa formada por sargentos, bacharéis e sacristãos. Ele vai além, dizendo que não só nada nos une como tudo nos separa. Ao analisar os argumentos dos que defendem essa unidade, chama essa defesa de “uma retórica balofa recheada de pieguice cívica”.

Segundo Allyrio, quando uma nação nasce, ela começa a morrer. No campo das nacionalidades, é natural que os países recém-formados busquem histórias e elementos que fortaleçam o discurso unificador, mostrando que aquele estado é único e singular em suas particularidades. É preciso ressaltar que esse debate é muito forte nas décadas de 1920e 30. Nesse período, o país ainda vivia uma ressaca dos conflitos e movimentos históricos que opuseram Brasis distintos. Nessa fase, surgem personagens importantes que irãoescrever sobre o tema, a exemplo deCapistrano de Abreu, Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre. Adiscordância de Allyrio sobre a ideianatural de uma unidade nacional jáestava presente antes da publicaçãode As Bases do Separatismo. O romance Bolsos Vazios foi publicado em 1928 e já mencionava em diversos trechos as ideias separatistas presentes em As Bases do Separatismo, obra que só foi publicada em 1935. Em tempo, é bom que se diga que os motivos de Allyrio para defender a separação são diferentes dos motivos que alguns movimentos apresentam hoje. Essa segregação proposta atualmente é recheada de componentes racistas e etnocêntricos, onde muitas vezes sobra preconceito e falta argumentação. A tese de Allyrio girava em torno da ideia de que, com a separação do território em Brasil Amazônico, Brasil Nordestino, Brasil Mineiro, Brasil Paulista e Brasil Gaúcho, teríamos uma eficiência administrativa que viria com a quebra nos núcleos de poder constituídos à margem dessa falsa unidade construída a partir de sargentos, bacharéis e sacristãos, como foi citado no início do texto.

Com a publicação dessas teses em As Bases do Separatismo, a obra foiapreendida e Allyrio Meira Wanderley foi processado pelo estado e perseguido pelo Governo Vargas. O juiz federal que decidiu ser legal a apreensão dos livros diz que a obra é perigosa por atentar contra a unidade nacional, contra a própria existência do Brasil indivisível e contra o culto das tradições nacionais.

É inadmissível sob todos os aspectos que as obras de Allyrio não estejam à disposição. Allyrio precisa ser lido, não para ser cultuado, não se trata da necessidade de criação ou adoração de mais um vulto histórico ou literário. A questão aqui é também de reparação histórica sobre um escritor que provocou certos impactos e que 70 anos após a sua morte, grande parte dos seus conterrâneos desconhece plenamente a sua obra.