A menstruação da borboleta

23 de março de 2022 Off Por funes

A menstruação da borboleta por José Mota Victor.

 

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 10/12/2021 .

 

No período que resolvi voltar para terra natal, depois de quase 10 anos de ausência, para vencer o marasmo cultural da província, resolvi escrever um folhetim como aqueles que faziam, antigamente, alguns escritores da terra brasilis. A Moreninha, de Joaquim Manoel de Macedo, é, reconhecidamente, o folhetim mais popular da história do Brasil. Outros grandes escritores como José de Alencar, Machado de Assis e Lima Barreto também escreveram folhetins.

As Memórias Póstumas de Brás Cubas foram publicadas na Revista Brasileira, de março a dezembro de 1880, considerada uma das maiores obras literárias do Brasil. Para compreender melhor, o “folhetim” funcionava como as novelas da televisão brasileira de hoje. Antigamente eram publicados em jornais e revistas.

A publicação de forma sequenciada deixava um gancho para prender a atenção dos leitores. O folhetim morreu em virtude do surgimento do rádio. Durante mais de oito anos, ininterruptamente, publiquei mensalmente no jornal O Sertão o folhetim descompromissado e historicamente relevante de A Influência dos Raios Solares na Menstruação da Borboleta.

O nosso primeiro objetivo era caricaturar os temas elitistas das produções científicas das universidades brasileiras como “Automatização de Testes Espirométricos através do acoplamento de um microcomputador a um espirômetro de Campânula”. O segundo objetivo era contar a história romanesca do insetologista Brenhim Delgado de Castilho e do seu filho Ricardo Delgado Freire de Castilho que morreu fulminantemente quando defendia sua tese no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano.

O terceiro era enviar ao Guiness Book (o livro dos recordes) o folhetim mais longo da história literária brasileira. O romance tem como pano de fundo o inóspito cenário da Imperial Vila do Pinharas no final do século 19 e o deslumbramento da elevação da Vila à categoria de cidade no início do século 20.

Como era escrito mensalmente, o dono do jornal telefonava às vésperas pedindo a entrega do material, às vezes varava a noite escrevendo um capítulo. Certa vez, devido a uma grande decepção do protagonista da história, o enviei para morar um longo período no inóspito povoado de Cachimbo Eterno, hoje cidade de São José do Bonfim. Enfrentei um grande problema no mês seguinte porque não sabia o que fazer com o personagem morando naquele cafundó do judas.

 Foi quando pesquisando no livro A Paraíba e seus Problemas, do escritor José Américo de Almeida, encontrei um parágrafo que dizia mais ou menos assim: “Naquele tempo morava no sopé da serra do Teixeira o famoso cangaceiro Adolfo Rosa Meia Noite”. Foi um achado. Coincidentemente era o mesmo período em que o entomologista Brehim foi enviado pelo autor do folhetim para aquele lugar. Sem pestanejar, as teclas da minha Oliveti Lettera conduziram o personagem para fazer uma visita de cortesia ao famoso bandoleiro Meia Noite.

O certo é que com essa informação de José Américo de Almeida escrevi mais vinte e cinco capítulos do folhetim. Lá se foram mais de 20 anos até que surgiu a terrível pandemia do coronavírus e tive que me enclausurar durante quase cinco meses no casarão da antiga Praça do Comércio. Neste período resolvi reescrever o folhetim e planejei a misteriosa, armorial e longa sextologia pinharense de A Influência dos Raios Solares na Menstruação da Borboleta, uma obra dividida em seis livros com 150 capítulos e 1213 páginas. Escrita num período muito difícil que deixou um lastro de mais de seiscentas mil mortes no Brasil.

 Lembrava o tempo todo da peste negra que dizimou a metade da população da Europa na Idade Média, em Florença e arredores morreram cerca de 100 mil pessoas. Foi também nesse período tardo-medieval que o florentino Giovanni Boccaccio, enclausurado em um castelo em Nápoles, escreveu a sua obra-prima Decameron.

Também inspirado na obra do famoso escritor refleti muito sobre a observação de Amanda Cristina Zattera: “Objetivamos observar o otimismo e o riso como uma das possíveis formas de fuga em uma realidade complexa, e para além do desespero e da aflição, a grande valorização da vida e do direito do homem de aproveitar o momento presente da melhor forma possível, perante a cotidianidade da morte.” Vamos aos três primeiros livros do romance armorial: A prelazia da Vila de Sagres é uma fantástica viagem aos primórdios da história da Borboleta Preta com uma risca amarela na asa esquerda. Encontramos os primeiros vestígios da famosa Prelazia do Bispo Emérito da Freguesia da Vila de Sagres na carta que Pero Vaz de Caminha, popularmente conhecido como Bisagudo, escreveu ao sereníssimo Dom Manoel, Rei de Portugal e dos Algarves, senhor da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia.

Na A Cantoria Armorial vamos participar efetivamente dos bastidores da maior cantoria realizada no solo das Américas. Saber que “A sapiência de Romano do Teixeira permitia citações de Bonaparte e do intimorato General Francisco Solano Lopez”. Vamos tomar conhecimento do sucesso do folheto que vendeu mais exemplares que a Bíblia Sacra e a ferrenha desavença entre os antologistas pinharenses.

E finalmente descobrir o plano que o astuto Nicanor engendrou com os meninos da Vila para abiscoitar o garboso canivete do mascate Pedro Sabedoria. Ani Ohev Otach é a fabulosa e armorial epopeia do maior bandoleiro da região das espinharas que morava no sopé da serra do Teixeira e era perdidamente apaixonado por Santinha.

 A ideia do entomologista, amigo do bandoleiro, era urdir uma grande epopeia armorial imitando o vate português que partiu da ocidental praia lusitana. Ficar sabendo detalhes da espetacular fuga de Liberato da cadeia do Teixeira, os pendores artísticos do padre Bernardo de Carvalho e as inúmeras correções do Atlas do Barão Homem de Melo. Os outros três livros da sextologia que já estão escritos vão ser publicados em 2022.