Duas prosas de Misael Nóbrega*

19 de fevereiro de 2024 Off Por funes

Duas prosas de Misael Nóbrega* por Misael Nóbrega de Sousa.

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 16/02/2024.

 

O Carnaval

Abrindo o relicário de tia Ninita, deparo-me com aquelas figuras que compuseram o “Corso da Rua grande”. A caixa de antiguidades revela o desfile fantasmagórico de um período sem graça. Todo Carnaval é triste. As moças, com suas roupas adornadas de fitas e lantejoulas, travestiam-se de suas personagens favoritas para fugir delas mesmas. Aprisionadas naqueles retratos esmaecidos estão condenadas, eternamente, ao estereótipo. E não há muita originalidade no quesito “imaginando ser” outra pessoa.

O Carnaval não se sustenta em nenhuma cultura. O enredo de todas as épocas representa a banalidade: “Eu me permito”. As mágoas viraram dores. E, os amores, fúteis. O Carnaval é o espelho de todo folião. Panfleto daextravagância… – “Ô abre alas que eu quero passar…” Nos bailes, a mesma ilusão. Eu era o dito-cujo que minha mãe quisesse… – E fui pierrô, por diversas vezes. O Carnaval é uma caricatura da vida real. Não há poesia em nenhuma geração. A inocência também nunca existiu. Em todas as modinhas: o sexismo, a homofobia, o preconceito, a intolerância. Insistimos nas lembranças que acreditamos ser puras. Mas, em tudo há malícia. E vemos essa “ingenuidade” dá lugar à brutalidade dos trios elétricos. E se antes eu não queria enxergar… – Era por ignorância. Os monstros sempre foram os mesmos. Gigantes serpenteado pelas ruas de sortilégios. E atrás deles uma multidão de coxos, marchamos sob a bênção do “permitido”. Não há recompensa que valha o esforço.

O Carnaval é uma festa sem sentido: existe apenas para nos dizer o quanto somos ridículos. Da mesma forma que há miscigenação, há falsos moralismos. Vejo alguém dormindo na calçada. É a embriaguez da vida. “Oh, quarta-feira ingrata, chegou tão depressa só pra contrariar…” O Carnaval imprime uma consciência às avessas, idiotizando-nos o quanto pode. É a festa da sociedade hipócrita, com seus estandartes apólogos do tempo: uma alegoria ao contrário… – E que desconsidera a passagem dos blocos. E quando tiramos a máscara a realidade nos diz mais feios. A cara nua é a mais autêntica das fantasias. Ele é carne e espírito. Já os pecados… – Pertencem às suas épocas, não aos foliões. O Carnaval não se reinventou. Não crio polêmica; renovo as ilusões.

Um lugar em mim (…)

E, logo na chegada, um tapete de seixos que bem juntinhos, um ao outro, lembram um doce de coco. Em seguida, uma plantação de flor… – Para cada uma, um nome; para cada nome, um amor. Digo logo, não há cercas. Também não há porta principal. Todas as janelas, de tão largas, são como bocas banguelas sorrindo ao me receber.

A sala é decorada de coisas de antigamente. Em cada canto, emoldurado, o retrato de um parente. Não pode ser de verdade aquilo que não tem gente. Os cômodos de minha casa são pequenininhos. Mas, não reclamo, imagina… Assim, nunca me perco. “As paredes têm ouvidos” é bom também alertar. E elas são de barro que é mais caro que ouro. O alpendre sustenta a mim com suas colunas de fé… – E, ali é que ficam os tornos, “prá mode armá minha rede”.

No quintal não tem nada. Nenhum bicho preso, nem mesmo os de cozinhar. Ali não se come nada que não seja o que a terra dá. No terreiro, a gente brinca de inventar. Por trás da minha cozinha, jorra uma nascente tão límpida… – E que sulca a terra formando os rios; arrastando os troncos de árvores, enfrentando os desafios. Sai das pedras, desce a encosta, ganha impulso, corre o trecho e vai bater do outro lado bem perto do fim do mundo. Águas, que são como as lágrimas que de meu rosto caíram. E porque elas nunca voltam, então parei de chorar… Mas se renovam para não desistirmos de amar.

Quase ia me esquecendo: os pássaros são meio tolos, não vão embora… Morreriam de saudade. Neles, puseram dois corações (ao invés de duas asas) e um gorjear de esperança. (…) Se somem, viram crianças. O que dizer mais de um lugar onde até mesmo a lua vem sempre me visitar?

 

*) Todos os textos da coluna Funes Cultural do mês de fevereiro são de autoria do escritor e jornalista patoense
Misael Nóbrega de Sousa.