Educação para todas as artes

Educação para todas as artes

9 de dezembro de 2022 Off Por funes

Educação para todas as artes por Delzymar Dias.

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 09/12/2022.

No final da década de 1980, o educador Paulo Freire, já reconhecido internacionalmente como uma dasgrandes referências educacionais no mundo, aceitou o convite da paraibana Luiza Erundina, eleita prefeita de São Paulo, para assumir a Secretariade Educação daquele município. Havia uma tradição de um concurso anual de bandas e fanfarras, com premiações e distinções. Freire, com um olhar pedagógico bastante peculiar, mudou a maneira como essa atividade passou a ser realizada e transformou aquilo que seria um concurso em uma mostra de bandas e fanfarras. Essa sensibilidade pedagógica surge pela necessidade de entender que as escolas localizadas em bairros mais ricos teriam mais estrutura do que as escolas localizadas em bairros periféricos, o que tornava aquilo uma disputa desigual.

Frankleyson Brasileiro durante oficina de arte na Fundação Ernani Sátyro

Frankleyson Brasileiro durante oficina de arte na Fundação Ernani Sátyro

O professor Aderivaldo Nóbrega, vinculado a Ecite Pe. Jerônimo Lauwen, em Santa Luzia (PB), orientou a produção do Monólogo de uma sombra, curta-metragem baseado na obra de Augusto dos Anjos. Produzidos pelos estudantes Júlio César da Silva Neto, Pedro Ryuki Niya e Thamires Maria Morais de Araújo, a obra está disponível na AruandaPlay, uma plataforma de streamings que vem absorvendo produções locais com apoio da Secretaria de Estado da Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, a Fapesq e o Fest Aruanda.

Em Patos (PB), na Escola Estadual Monsenhor Manoel Vieira, a professora Maria Leandro solicitou do então aluno Frankleyson Brasileiro que fizesse uma pintura sobre a música Pra não dizer que não falei das flores, do cantor e compositor paraibano Geraldo Vandré. Essa música é uma referência da cultura de resistência ao período ditatorial que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985. Aos 14 anos de idade, na escola em que estudava, incentivado pela professora, percebeu, ao sentir a repercussão positiva do seu trabalho, que era possível viver a partir da sua arte. Hoje, é um artista em plena ascensão, com obras que circulam em diversas cidades e trabalhos reconhecidos em todo o país.

No filme Como estrelas na terra (2007), o personagem Ishaan Awasthi é apresentado a um mundo que ele consegue estar plenamente encaixado. Baseado em uma história real, o longa traz o sofrimento e as angústias de uma criança com dificuldades de aprendizagem e que, através da arte, estimulado por um professor substituto, consegue vivenciar experiências pedagógicas fora do contexto tradicional e conservador.

Uma das maiores práticas anti-educativas que eu já pude presenciar foi quando algumas escolas resolveram criar as chamadas turmas olímpicas, que selecionavam os melhores alunos para estudarem em turmas separadas dos alunos comuns. Percebam que, mesmo você que não é educador, achou estranho ler expressões como melhores alunos e alunos comuns. Primeiro, isso não existe. Alunos são alunos, alguns com mais habilidades emuma área, outros com mais habilidades em outra área e um outro grupo que ainda não descobriu qual a sua vertente. Segundo, isso impede que o grupo excluído dessa turma deixe de ter contato mais aprofundado com uma área que pode ser a dele.

Esse ato foi puxando outras questões pedagógicas complicadas, a exemplo da desvalorização da educação para arte. Os exemplos citados no início desse texto são uma pequena mostra de como a arte e a cultura precisam estar presentes na educação. Quando um aluno é destaque em matemática ele passa a ser estimulado a carregar o nome da escola em seus feitos. É levado para Olimpíadas e outras competições escolares e passa a figurar como peça central na publicidade para aquisição de novas matrículas. Quando um aluno é destaque em atletismo, futebol ou natação, recebe tratamento especial e até o calendário de provas pode ser adaptado, individualmente, para não “atrapalhar” o seu rendimento.

E quanto a produção artística? O que fazemos com os nossos alunos poetas? Quais atitudes temos com os nossos jovens pintores ou escritores? E os músicos sensacionais que brotam nas escolas e muitas vezes não temos a devida sensibilidade para isso. Apesar de algumas melhorias, do reconhecimento formal como área do conhecimento, precisamos avançar nesse debate. A arte é tão importante que pode auxiliar no aprendizado de todos os outros componentes curriculares. A escola tem que ter coral, banda de música, mostra de arte e cultura, grupo de teatro, espaços para convivência, biblioteca de verdade, não aquele espaço punitivo que durante muito tempo o aluno foi enviado quando praticava algum tipo de indisciplina em sala. Não existe educação sem arte e cultura.