Elisabeth Tenreiro e a morte de todos nós

23 de abril de 2023 Off Por funes

Elisabeth Tenreiro e a morte de todos nós por Delzymar Dias .

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 22/04/2023.

Não precisamos de mártires na educação, eles geralmente não estão vivos. A noite do dia 27 de março foi de reflexão sobre os rumos da educação e o peso da cultura da morte que foi construída em nossa sociedade. Cheguei em casa, depois de 14 aulas, e comecei a acompanhar as notícias sobre o ataque à escola Thomazia Montoro, em São Paulo, que acabou matando a professora Elizabeth Tenreiro. Ela morreu aos 71 anos, após ser esfaqueada de maneira covarde por um aluno. Poderia ser qualquer um, a escola virou um ambiente de risco e os professores se tornaram alvos de um fundamentalismo odioso que foi importado e que nenhuma reforma educacional consegue discutir com eficiência.

ProfessoraElizabeth
Tenreiro,
assassinada
aos 71 anos
de idade no
último dia
27, em um
ataque à
escola onde
lecionava, em
São Paulo

Professora
Elizabeth
Tenreiro,
assassinada
aos 71 anos
de idade no
último dia
27, em um
ataque à
escola onde
lecionava, em
São Paulo

Não houve tempo para reflexão e luto. Na quarta, dia 5 de abril, um homem invadiu uma creche em Blumenau e assassinou Bernardo Cunha, Larissa Maia, Bernardo Pabst e Enzo Marchesin. Todas as crianças tinham entre quatro e sete anos de idade. Quando uma criança morre, o mundo todo fica mais pobre, porque junto dela, também são sepultadas suas expectativas e seus sonhos. Precisamos retomar o debate sobre a cultura de paz, não a partir de concepções ingênuas, com caminhadas, frases de efeito ou contratação de intervenções made in mundo coach. Isso não serve. As escolas precisam voltar a falar sobre gente. Os sistemas estão cada vez mais focados na produtividade que “aprova” e as reformas acharam na implementação de tecnologias uma falsa solução para praticamente todos os desafios de uma sociedade que pulsa, mas que naturaliza a ideia de que é normal que alguns sejam deixados para trás no processo educativo.

Não estamos conseguindo conciliar a produtividade exigida pela sociedade e pelas avaliações com as lacunas emocionais dos estudantes, que são reflexos de uma sociedade cheia de incompletudes e distorções. É hora de falar mais sobre gente do que computadores. Aprender sobre inteligência artificial, valorizando e escutando as inteligências reais que muitas vezes estão escondidas atrás de programas cansativos, jornadas longas e comportamentos negativos reforçados pelos efeitos nocivos do bullying. O escritor moçambicano Mia Couto traduz um pouco desse momento tenso que estamos vivendo, ao dizer que: “Num mundo de caos e violência é preciso cuidar das palavras como se, no seu ventre, elas trouxessem o núcleo prenunciador de um outro mundo”.

Diante disso, é preciso investigar os porquês que levaram as escolas a serem possíveis alvos desse extremismo. É uma resposta complicada. Diversos movimentos contribuíram para isso, entres eles, aqueles que tentaram e ainda tentam criminalizar a atuação dos professores, estimulando que alunos filmem aulas e denunciem esses profissionais. Sobre o pretexto de defenderem o ensino domiciliar, entidades rodaram o país espalhando notícias falsas sobre o trabalho pedagógico das escolas e detonando professores que, segundo a visão dos movimentos conservadores, são doutrinadores ideológicos. Essa animosidade foi criada de forma proposital, sem avaliar as consequências desse processo. Muitas pessoas compraram essas ideias e passaram a enxergar os docentes como inimigos e o ambiente escolar como espaço hostil. Vários professores foram denunciados por ministrarem conteúdos como evolução natural das espécies e ditadura civil-militar no Brasil. Chegamos ao ponto absurdo de um deputado federal chamado Bibo Nunes, declarar publicamente que estudantes que estavam protestando contra o corte de verbas na Universidade Federal de Santa Maria (RS), deveriam ser queimados vivos em pneus, como ocorreu no filme Tropa de Elite. O que aconteceu com ele? Nada.

Esse ódio foi construído por movimentos e grupos que não entendem que escola é refúgio, é espaço de alegria e convivência, é espaço de sonhos. Se você está lendo esse texto à noite, visualize as casas tristes e silenciosas de todas as famílias das vítimas desses últimos ataques. A noite potencializa todos os silêncios e todas as tristezas. Durante uma conferência nos Estados Unidos, o educador brasileiro Paulo Freire foi questionado sobre sonhos. A pergunta era o que os educadores poderiam fazer quando os sonhos fossem sufocados e a esperança parecesse improvável. Quem conhece a obra de Freire sabe o quanto ele combatia esse fatalismo. A resposta dele foi um resumo daquilo que sempre foi a base das suas ideias e entendo que é algo que também se aplica ao momento que estamos vivendo. O recado é claro. “Por favor, não desistam. Não permitam que esta nova ideologia do fatalismo mate a sua necessidade de sonhar. Sem sonhos não há vida, sem sonhos, não há seres humanos, sem sonhos não há existência humana”.