O futuro é indígena

O futuro é indígena

21 de janeiro de 2023 Off Por funes

O futuro é indígena por Delzymar Dias.

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 13/01/2023.

Caminhando pelo Centro Histórico da Parahyba, vejo um cartaz grande colado em um casarão abandonado vizinho a outro casarão abandonado que dizia, em letras grandes, que o futuro era indígena. Naquele momento, duas lembranças em formato de ideias surgiram na minha cabeça. A primeira diz respeito a uma colocação do intelectual indígena Ailton Krenak, que ofereceu à comunidade um livro cheio de provocações chamado de A vida não é útil. Ele fala sobre o egoísmo nosso de cada dia e diz que ninguém vai se salvar sozinho de nada, por isso, estamos todos enrascados.

Cartaz visto em um casarão abandonado no Centro Histórico de João Pessoa

Cartaz visto em um casarão abandonado no Centro Histórico de João Pessoa

O segundo ponto é sobre a história da adaptação indígena. Fala-se muito sobre os indígenas adotarem para si os ditos costumes urbanos. Eu nem acho que essa discussão é necessária, já que, dado o andar da carruagem, a salvação da humanidade está vinculada ao inverso desse questionamento, já que para sobreviver em um futuro breve, nós é que teremos que buscar no contexto indígena os pontos necessários à nossa sobrevivência. Nosso modelo de desenvolvimento é ecocida e vem considerando cada vez menos as nossas experiências ancestrais.

Não existe futuro com o individualismo falsamente meritocrático de mercado. O futuro é coletivo. Existe um limite para duplicação ou multiplicação de vias, não haverá espaço nos centros urbanos para que cada pessoa possa sair de casa com o seu veículo. Chegará um momento em que todas as soluções terão como princípio a coletividade. O planeta não conseguirá atender todas as demandas industriais inventadas e fomentadas pelos padrões que consomem cada vez mais recursos naturais e escravizam o ser humano em jornadas de trabalho exaustivas. No livro A riqueza de poucos beneficia todos nós?, o sociólogo Zigmunt Bauman faz uma relação entre consumo e felicidade ao dizer que “o axioma de que a busca pela felicidade é igual a comprar, e de que a felicidade deve ser buscada e está à espera nas prateleiras das lojas.”

Na escola, não aprendemos sobre a importância dos indígenas. Não aprendemos sobre a diversidade das etnias, dos grupos, dos aldeamentos, dos costumes, das línguas e da cultura. A Lei nº 11.645/2008 torna obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio, porém, a educação sobre os povos originários da maneira que é construída na atualidade, em todos os segmentos, contribui, infelizmente, para uma caricaturização dessas pessoas, das etnias representadas e de seus costumes. Aqui, no Sertão da Paraíba, não existe material didático específico sobre os primeiros ocupantes do lugar. Alguns textos históricos locais cometem o absurdo de dizer que a história do lugar teve início no século 17 com a chegada dos “Oliveira Ledo”, que chegaram à região vindo da Casa da Torre, através do Rio São Francisco. Esses livros falam mais da interiorização da economia através da criação de gado do que da presença dos nativos na região. Fala-se mais de gado do que de gente. A versão que continua sendo contada, em escala maior, é a visão do colonizador. É preciso refazer essa narrativa que foi construída onde heróis chegaram para desbravar territórios ocupados por aqueles que foram chamados de selvagens. Estamos todos presos a essa falsa ideia de progresso.

Em A Conquista da América, o filósofo Tzvetan Todorov descreve bem o que representou essa relação, dizendo que “se a palavra genocídio foi alguma vez aplicada com precisão a um caso, então é esse. É um recorde, parece-me, não somente em termos relativos (uma destruição da ordem de 90% ou mais), mas também absolutos, já que estamos falando de uma diminuição da população [nativa] estimada em 70 milhões de seres humanos. Nenhum dos grandes massacres do século 20 pode comparar-se a esta hecatombe”.

Essa violência é contínua e não está restrita apenas à colonização clássica. Em 1960, no Mato Grosso, 3.500 indígenas foram assassinados de maneira cruel com apoio logístico de funcionários do antigo Serviço de Proteção ao Índio, hoje Funai. Eles foram envenenados por arsênico, veneno poderoso que chegou ao local através das comidas doadas pelos agentes. Esse fato chocou o mundo e ficou conhecido como “Massacre do Paralelo 11”. Apesar de cinco séculos de perseguições, eles sobreviveram e vão continuar resistindo, nos mostrando que o futuro é indígena.