A literatura da Cruz da Menina

22 de março de 2022 Off Por funes

A literatura da Cruz da Menina por José Mota Victor

 

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 04/06/2021 .

 

Na década de 1970, quando participava dos Festivais de Teatro Universitário da Paraíba, baseado nos ensinamentos de Paulo Pontes (“É importante o jeito, a linguagem e o cheiro de povo nos palcos para que não se esqueça de que ele existe e é, afinal de contas, o grande derrotado. Já que não é possível colocar o drama do povo em toda sua consequência, que se coloque pelo menos, a cara do povo do jeito que ela é”), resolvi escrever uma peça para resgatar a tímida produção teatral da cidade de Patos. Teria que encontrar um assunto que despertasse o interesse coletivo. A trágica história da Cruz da Menina seria o tema emocionante que levaria o povo da cidade ao teatro.

Nesse período contava com poucas informações a respeito do bárbaro crime cometido contra uma criança que era empregada de um conhecido casal da sociedade local. O primeiro material que encontrei foi uma reportagem publicada na revista Opinião nº 4 do ano de 1973, órgão do departamento de Educação e Cultura da Loja Maçônica Augusto Simões.

A Lenda e os Fatos sobre a Cruz da Menina é um trabalho do jornalista e escritor Evandro da Nóbrega. Tinha também o folheto de cordel de 1978 intitulado História Completa da Cruz da Menina, do meu saudoso amigo Antônio Américo de Medeiros, que durante décadas negociou no mercado público de Patos vendendo folhetos de cordel. O material não era suficiente para urdidura da peça teatral. Precisava ter acesso ao processo do hediondo crime.

Pedi ajuda a Edimilson Mota que nessa época era prefeito da cidade de Patos. Ele me encaminhou ao inolvidável e saudoso Romero Nóbrega que me recomendou ao escritor Flávio Sátiro Fernandes que estava de posse do calhamaço. Durante um mês estive pontualmente às 14 horas no gabinete do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado para pesquisar e mais tarde, à noite, escrever a peça teatral A Cruz da Menina, que foi premiada em 1978 no 4º Concurso Nacional Universitário de Peças Teatrais do antigo Serviço Nacional de Teatro.

A peça do grupo teatral Resistência estreou no teatro Lima Penante, no ano de 1980, na cidade de João Pessoa. Em 1989, com direção do autor, a peça estreou na cidade de Patos com atores do grupo teatral da Fundação Cultural Educativa Miguel Mota (Fecmma). Em 2003, foi montada em Maceió pelo curso de formação do ator da Universidade Federal de Alagoas. A montagem pelo Movimento de Cultura Artística com direção de Roberto Cartaxo estreou no teatro Santa Rosa, no ano de 2007. O professor Fábio Sanches dirigiu A Cruz da Menina na cidade de Fernandópolis, São Paulo, e participou do Mapa Cultural Paulista.

Depois da premiação da A Cruz da Menina, muitos trabalhos foram publicados sobre o assunto: O bacharel Antônio Gabínio da Costa Machado escreveu no seu livro de memória Um Canto de Saudade, publicado pela Grafset no ano de 1984, suas impressões sobre o processo de A Cruz da Menina. Gabínio foi convidado para assumir o Juizado de Direito da Comarca de Patos no ano de 1932, a convite do interventor Gratuliano Brito. Desengavetou o processo e abriu vistas dos autos ao promotor.

No período em que escrevi a peça, o escritor Flávio Sátiro Fernandes provavelmente já estava pesquisando e rascunhando o romance A Cruz da Menina, que foi publicado 16 anos depois (1994) pela Fundação Ernani Sátyro. O jornalista Severino Ramos escreveu em 1995, no segundo volume dos Crimes que abalaram a Paraíba, um denso capítulo dedicado ao crime da Cruz da Menina. Uma Santa e seu processo de Santificação é o título da dissertação de mestrado de Ivotônio Gomes Viana realizado no ano de 1999, no programa de pós-graduação em Sociologia da UFPB/UFCG. No ano de 2000, a historiadora Elisa Mariana de Medeiros Nóbrega escreveu Retalho de um Corpo Santo: A Construção Histórica da Cruz da Menina (1923-1995), dissertação de mestrado realizada na Universidade Estadual de Campinas, São Paulo.

 O designer Alex Souto publicou em 2007 a revista A Cruz da Menina em Quadrinhos. No ano posterior (2008), a Revista Jurídica das Faculdades Integradas de Patos apresentou o interessante artigo A Cruz da Menina: Uma Análise Histórico-Jurídica do Processo Criminal, do acadêmico Humberto Gomes Firmino de Sousa, orientado pelo professor José Carlos de Medeiros Nóbrega.

 O fenômeno da Cruz da Menina cresce a passos largos e a literatura sobre o assunto também, talvez, em virtude do processo de santificação que já foi iniciado pela Diocese de Patos.