A Princesa histórica e o seu território livre

A Princesa histórica e o seu território livre

9 de novembro de 2022 Off Por funes

A Princesa histórica e o seu território livre por Delzymar Dias .

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 07/10/2022.

Princesa Isabel, princesa do Sertão. Recebi um convite para ministrar aulas na cidade onde ocorreu um dos movimentos mais simbólicos da história do Brasil. Uma história que possui todos os componentes de transição entre um Estado oligárquico em decadência e a tentativa de modernização das relações políticas, institucionais e sociais. Uma história que permanece em conflito através de diversas narrativas retratadas em livros, depoimentos soltos, filmes, documentários e pesquisas acadêmicas.

As tensões políticas vividas na Paraíba no final dos anos 1920 e início dos anos 30 era um sinal de esgotamento de um sistema patrocinado pela Política dos Governadores, estratégia que aproximava os interesses eleitorais do presidente com a concessão de poderes para as oligarquias locais. Era uma época em que a comunicação era lenta e os problemas locais terminavam sendo resolvidos sob as bênçãos do chefe político local, que tinha apoio do Estado e da União.

Do ponto de vista econômico, Princesa era muito ligada a Pernambuco, já que fica distante 417 quilômetros da capital paraibana, enquanto a divisa com o estado vizinho fica a poucos quilômetros. A ausência de boas estradas no estado foi outro componente que contribuiu para as boas relações econômicas entre Princesa e Pernambuco.

O coronel Zé Pereira e o então presidente João Pessoa já vinham com relações estremecidas por causa de episódios que envolviam desde problemas familiares até discordâncias políticas por conta de mudanças nas estruturas que beneficiam o exercício de poder pelos coronéis no interior. Pouco antes do rompimento oficial, João Pessoa visitou a região de seus dois principais desafetos políticos. Foi recebido com festa em Princesa e depois foi até Teixeira, terra dominada pela família Dantas. Saiu com a impressão de que as coisas poderiam ser resolvidas de outra maneira. Até os aliados de João Pessoa defendiam a ideia de que ele buscava a mais ousada reforma política empreendida no Brasil, porém, como escreveu José Américo de Almeida, de uma forma um tanto brusca, com confrontos, autoritarismos e afrontas diretas. O rompimento oficial entre José Pereira e João Pessoa ocorreu em 22 de fevereiro de 1930, através de um telegrama enviado por Zé Pereira, que dizia, entre outras coisas: “(…)Esse divórcio afasta os compromissos velhos baluartes da vitória de 1915 para com os princípios deste partido que V. Excia. acaba de falsear. Por isso tudo delibero adotar a chapa nacional, concedendo liberdade a meus amigos para usarem direito voto consoante lhes ditar opinião, comprometendome ainda defendê-los se qualquer ato de violência do governo atentar contra o direito assegurado à Constituição. Saudações.”

A partir disso, João Pessoa faz investidas pesadas contra Zé Pereira e seus aliados, até que ocorre um grande combate na cidade de Água Branca. Decidido a invadir Princesa, João Pessoa mobiliza 200 homens que seguem rumo ao Sertão para uma batalha que, segundo suas expectativas, colocaria fim ao movimento. Ao pernoitarem em Água Branca e seguir viagem, sofreram uma emboscada dos homens de Zé Pereira, o que resultou na morte de praticamente todos os soldados. Esse fato ficou conhecido como A Revolta dos Caminhões Queimados.

Esse acontecimento será um marco na história da Revolta de Princesa, já que fornece elementos ao coronel Zé Pereira para oficializar a separação da Paraíba e criar um Território Livre dePrincesa. Ao tentar se desvincular do estado da Paraíba ao mesmo tempo em que permanece vinculado à União, Princesa estabelece uma situação inédita do ponto de vista jurídico e político. O decreto de seade passa a s constituir, com seus limites atuais, um território livre que terá a denominação de Território de Princesa.paração estabeleciaque, fica decretada e proclamada provisoriamente a independência do município de Princesa, deixando o mesmode fazer parte do estado da Paraíba, do qual está separado desde 28 de fevereiro do corrente ano”. Na sequência, o documento afirma que a a cidade passa a se constituir, com seus limites atuais, umterritório livre que terá a denominação de Território de Princesa.

Esse é apenas um pequeno pedaço dessa história fantástica. A Paraíba esteve totalmente envolvida com os grandes acontecimentos históricos desse período. A eleição de Epitácio Pessoa como presidente da República, a passagem da Coluna Prestes por Piancó, a escolha de João Pessoa como candidato a vice de Getúlio Vargas, a Revolta de Princesa, o assassinato de João Pessoa e a eclosão da Revolução de 30. Em uma conversa com o querido historiador José Octávio de Arruda, escutei dele que as matrizes da Revolução de 30 que levou Getúlio ao poder ocorreram na Paraíba.

Sobre a minha aula de Ciências Humanas em Princesa Isabel, percebi que os alunos precisam ter a devida noção do tamanho da situação histórica ocorrida no local, mesmo a cidade conservando, até hoje, as marcas oriundas do conflito. É preciso criar um jeito para que esses conteúdos sejam trabalhados na educação básica de uma forma mais intensa. É nossa história que está em jogo através da análise, pesquisa, estudos e conservação das nossas memórias.