A revista ‘Letras do Sertão’ e o progresso na cidade de Sousa nos anos de 1951-69

23 de março de 2022 Off Por funes

A revista ‘Letras do Sertão’ e o progresso na cidade de Sousa nos anos de 1951-69 por Rafaela Pereira Dário.

 

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 31/12/2021 .

 

O ano é 1951, o Alto Sertão paraibano ganhava um novo veículo de comunicação que se destinava, dentre outras coisas, a divulgar a “inteligência do povo sertanejo”. Estamos nos referindo à revista Letras do Sertão, nascida e idealizada na cidade de Sousa no ano acima anunciado. Quando dizemos que a revista se colocava a serviço dos sertanejos para divulgar sua inteligência, aludimos que aquele veículo era antes de tudo um instrumento literário. Mas, para além das rimas poéticas que moviam as edições da revista, existia também aquilo que podemos chamar de tribuna, onde ideias e ideais, críticas, sugestões e elogios contribuíam para a formação de um imaginário social sobre Sousa, seu passado, presente e futuro.

 Entender a cidade imaginária impressa nas páginas daquele magazine é também mergulhar nos rios de uma cidade real que existia naquele momento e que, em muitos casos, no pensamento dos jovens editores de Letras do Sertão precisava aderir a algumas posturas para tornar-se uma urbe em sintonia com a modernidade.

 A modernidade enquanto movimento representa uma ruptura com aquilo que obscurece a razão. Essa ideia de romper, de quebrar grilhões com o antigo, atinge a vida social, material, passando pelas artes e pela espiritualidade. Novas formas de conceber o tempo e o mundo foram anunciadas e a velocidade do motor da modernidade era latente, prometendo atropelar tudo quanto não seguisse seu ritmo. Consideramos que a modernidade tem muitas facetas e uma delas é a mudança de mentalidade que tende a atingir o homem que pretende se (re)vestir de moderno.

Como o Brasil possui uma essência tradicionalista e patriarcal, presente em seu âmago devido seus fortes traços de religiosidade, esse lado da vida moderna muitas vezes é apenas uma penumbra diante do brilho de outras facetas da vida moderna, como é o caso do progresso material e seus impactos para e na vida social. Inferimos que a revista Letras do Sertão passou a representar um caminho pavimentado que ligaria Sousa à modernidade pretendida naqueles anos. A revista pode ser considerada representante de uma moTempo: “A inaptidão de transpor os limites da materialidade nos coloca dentro do relógio” Rafaela Pereira Dário delzymar@yahoo.com.br dernidade cultural em ascensão, logo, ela passou a reivindicar que o progresso material da cidade se equiparasse a tal progresso espiritual, elaborando um “projeto de cidade” que objetivava encaminhar a urbe nos trilhos do progresso e da civilização.

 Ao longo dos anos de 1950 e até mesmo dos de 1960, a partir do momento que certas necessidades materiais chegam a Sousa em um ritmo cada vez maior, Letras do Sertão encara a tarefa de defensora de certo progresso de espírito, denunciando em alguns de seus artigos que Sousa andava longe de alcançar por pensar demais no progresso material. Nesse sentido, a revista contribuiu para a formação de um imaginário sobre Sousa em outras regiões do estado.

Até mesmo no início da circulação do magazine, onde o progresso existente na cidade parecia insatisfatório, já era possível ouvir falar em uma Sousa “futurosa e progressista”, eis nossa questão: seria a revista Letras do Sertão o prenúncio de novos tempos de progresso para a “Cidade Sorriso” do Sertão? Desde o início do século XX que o processo de urbanização da cidade de Sousa tomava pulso.

O trem de ferro chegou na cidade na década de 1920, a iluminação noturna foi por muito tempo à base de querosene e depois através de um gerador com hora marcada para ser desativado. O abastecimento de água era precário, pavimentação nos bairros não existia e nem mesmo a área central portava melhor aparência. Tudo isso no tocante a iniciativa do poder público, outras conquistas advindas da iniciativa privada existiam, ainda que de forma incipiente, como é o caso do cinema.

Observamos que, com a queda do estado getulista e a volta do cargo de prefeito, novas políticas desenvolvimentistas foram sendo empreendidas, principalmente quando as ideias de desenvolvimento industrial tomam força, como foi o caso da renovação do sistema de eletricidade da cidade, a pavimentação de ruas e diversas construções que tenderam a mudar a arquitetura do município.

Essas medidas não chegaram de uma só vez, mas, quando elas aconteciam, já incitava na população, talvez devido ao discurso dos agentes públicos, um imaginário moderno que superou as ideias de moderno do início do século. Em muitas edições da revista Letras do Sertão, constatamos alguns apelos direcionados a um cuidado especial por parte da administração municipal para com a cidade, na intenção de norteá-la nos rumos da modernidade – representada pelo binômio civilização/ progresso.

Abaixo, um trecho da publicação:

“Sousa, cidade de bom gênio, de boa água e de gente melhor ainda nesse setor, tem pegado uma turma de prefeitos, quando não realizadora, é de mal gosto desprovida de vaidade com a cidade… As praças e avenidas vivem sem nenhum trato, ou friso de vaidade, parecendo mais enteados da senhora prefeitura. Fala-se, no entanto, que vamos ter luz elétrica noturna e diurna na cidade, pois a luz existente está a desejar. A cidade cresce a cada dia, por essa razão, o conjunto elétrico, trazido a cidade pelo então prefeito Coronel Emílio Sarmento de Sá, já desserve”

 (Letras do Sertão, 1953, edição 8)