Até morrendo se vence

23 de março de 2022 Off Por funes

Até morrendo se vence por José Mota Victor.

 

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 12/11/2021 .

 

No dia 9 de julho de 1992, Edivaldo Motta saiu de Brasília com destino à Paraíba. Tinha respirado com dificuldades na noite anterior. O deputado sergipano Francisco Rollemberg contou: “Éramos companheiros dos voos das quintas-feiras à noite. Conversávamos, trocávamos ideias. Quinta-feira passada viajamos juntos, e, não sei por que, tive a impressão de que o deputado Edivaldo Motta estava preocupado, estava – talvez – a sentir alguma coisa, um prenúncio do que algo não estava bem. Ele fez a viagem até salvador – trecho em que fui seu companheiro – calado, quieto, não participou muito das nossas conversas”.

Na sexta-feira, na Paraíba, acordou cansado, cabisbaixo observava os dedos das mãos. Balançando na rede do seu quarto confessou: – O clima de Brasília vai me matar! E me disse que na noite anterior tinha sonhado com Igor, brincando, rodeando sua cama a noite toda e teve momento que confundiu sonho e realidade.

Era uma conversa muito estranha para mim depois do encantamento recente do meu filho. Saiu de casa logo cedo e voltou depois de algumas horas para viajar para cidade de Patos, não era comum o seu silêncio daquela manhã. Fotografei aquele instante silencioso na minha memória, um retrato em preto e branco de um homem sentado, com os ombros caídos, os braços arriados e o olhar perdido no chão.

No dia seguinte era o seu aniversário, iria completar cinquenta e três anos de idade. A notícia da morte pegou todos de surpresa naquele entardecer da cidade. Edivaldo estava assistindo uma vaquejada na Fazenda Maria Paz, no município de São José de Espinharas. Sentiu-se mal e pediu para ir para casa da fazenda. Ao deitar-se na rede deu o seu último suspiro.

Não reclamou de nada. Deitou-se e encantou-se. Quando o corpo chegou à casa da praça uma multidão já estava à espera. Foi velado durante toda a noite. O seu rosto estava sereno. Tinha-se a impressão que morreu em paz. No dia 13, segunda-feira, o padre Severino Alencar Leite celebrou a missa e Edivaldo Motta foi conduzido para sua última viagem.

Vieram pessoas de todos os lugares do estado. No meio da multidão uma figura me chamou atenção, o deputado Antônio Mariz, triste, de cabeça baixa com o seu indefectível cigarro na boca. Pessoas humildes choravam pelas calçadas e a multidão aplaudia quando o cortejo passava a caminho do cemitério São Miguel. Era a última passeata. A cidade que o assistiu conduzindo as multidões nas grandes manifestações políticas estava agora silente, perplexa.

O último discurso à beira do túmulo foi do governador Ronaldo Cunha Lima que emocionado iniciou: “Amigo Edivaldo Motta eu lhe disse certa vez que não gostava de falar à beira de túmulo, mas hoje eu vou falar para você. É difícil imaginá-lo assim, é doloroso vê-lo assim, parado, calado, inerte, sem a espontaneidade dos seus gestos, sem a largueza das suas atitudes, sem a manifestação da sua alma e do seu espírito. É difícil, muito difícil vê-lo assim, contrastando com o que você foi na vida, na demonstração de seus gestos às vezes irreverentes, mas marcado pela coragem.

Quem via as suas palavras às vezes irreverentes, não sabia que dentro da alma se escondia a pureza de um espírito e a doçura do coração. Disse bem o deputado Gilvan Freire. Você que tantas vezes conduziu o povo de Patos pelas ruas, assiste hoje o povo de Patos às ruas trazer você até aqui. Mas você não, talvez, certamente, não pensou nesse entardecer de Patos.

Você nunca sonhou com o anoitecer de Patos, porque Patos amanhecia no seu ideal, e você vai viver o novo amanhã desta cidade. Você vai viver porque quando o homem morre não morre os seus sonhos, quando o homem morre não morre o seu ideal, outros carregam a sua bandeira, conduzem essa força, essa chama, essa flama, esse sonho, essa esperança, essa vontade, essa determinação. Os seus amigos, os amigos que aqui ficam vão conduzir essa chama que você conduziu durante tanto tempo. Essa bandeira não vai cair.

 Esse ideal não vai se apagar porque sua vida não morreu, ela reviverá, se multiplicará, se transmudará na ação daqueles que guardaram fidelidade aos seus passos e aos seus gestos. Dizem que os mortos guardam os últimos instantes da sua vida e você certamente vai guardar os últimos instantes. O último abraço de Francisca, daquela que lhe amparou na vida e lhe amparou na morte. O adeus do seu povo, os aplausos do seu povo, as lágrimas do seu povo. Você em vida deu exemplos de grandeza, de honestidade e de fidelidade. Agora só saudade e só lembrança e na lembrança a saudade dos seus exemplos”. Nunca, em todos os tempos, a cidade assistiu tamanha manifestação de carinho por um homem público como naquela segunda-feira das Espinharas.

 Foi um sentimento de profunda perda que tomou conta do espírito pinharense. O comércio fechou suas portas e a cidade que não o elegeu na última eleição foi a rua prantear o “Perereca” que brincou na Praça João Pessoa e soube, como poucos, entender a alma sertaneja. O velho Guimarães Rosa afirmava que “As pessoas não morrem, elas se encantam”. E o próprio Edivaldo dizia que: “Até morrendo se vence”.