‘Os Cantos de Selma’

23 de março de 2022 Off Por funes

‘Os Cantos de Selma’ por José Mota Victor

 

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 09/07/2021 .

 

Eu me encantei com a singularidade da edição do livro Os Cantos de Selma, de Ossian, traduzido pelo deputado, senador, conselheiro e poeta Francisco Otaviano de Almeida Rosa. Figura carismática do jornalismo brasileiro designado ministro plenipotenciário e enviado extraordinário para negociar e assinar em 11 de março de 1867, na cidade de Buenos Aires, o Tratado da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) contra o Paraguai. No dito mês, recebeu o título de Conselheiro do Império concedido pelo Imperador Dom Pedro II.

Apesar de ter se dedicado pouco a literatura foi escolhido para patrono da cadeira número 13 da Academia Brasileira de Letras pelo próprio fundador, o nobre historiador Alfredo Maria Adriano d’Escragnolle Taunay, o Visconde de Taunay. Traduziu Shakespeare, Victor Hugo, Catulo, Horácio, Byron, Shelley e Goethe. Em 1867, atravessando o Reno, traduziu A Filha da Albergueira, do poeta alemão Ludwig Uhland:

Passam o Reno três Mancebos: entram no pouso da albergueira. – Cerveja boa e vinho bom… mas onde está a feiticeira, a tua filha que de nós se esconde? – Dou-vos cerveja fresca e vinho puro: minha filha está morta ali dentro.

 Em profunda comoção da alcova abrindo a porta viram os três a moça em seu caixão. Erguendo o véu e as faces contemplando da pálida donzela, disse o primeiro: – Oh! quanto de hoje em dia, virgem cândida e bela, se pudesses viver, eu te amaria!

Deixando o véu cair e se afastando dali disse o segundo, em frases que o soluço entrecortava: – Por que deixastes o mundo? Há tanto tempo, ó Virgem, que eu te amava! Retirando-lhe o véu, disse o terceiro: – Não, meu amor não finda, Beijo-te os lábios frios com saudade, Amei-te, amo-te ainda, E hei de amar-te por toda eternidade.

Com uma tímida produção literária, se dedicou mais a política (que denominou de “Messalina Impura”), publicou: Inteligência do Ato Adicional, 1857; As Assembleias Provinciais, 1869; O tratado da Tríplice Aliança, 1870; Os Cantos de Selma, 1872 e Traduções e Poesias, 1881.

Seu poema mais conhecido é Ilusões da Vida, transcrevemos abaixo a mais antiga versão encontrada, as posteriores apresentam variantes:

Quem passou pela vida em branca nuvem, E em plácido véu adormeceu, Quem o frio da desgraça não sentiu, Quem passou pelo mundo e não sofreu Foi espectro de homem e não foi homem, Só passou pela vida e não viveu

 

A tradução de Os Cantos de Selma, de Ossian, foi publicado pela Tipografia da República, na cidade do Rio de Janeiro no ano de 1872 em edição de sete exemplares, destinados a Eponina Otaviano (esposa do poeta); José Martiniano de Alencar (o primeiro emprego do escritor cearense no jornal foi obtido graças à amizade com Otaviano na Faculdade de Direito de São Paulo); Eduardo de Andrade Pinto (ministro e senador do Brasil durante a República Velha); Salvador de Menezes Drummond Furtado de Mendonça (advogado, jornalista, diplomata, romancista, ensaísta, poeta, tradutor, teatrólogo e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras); Luís Barbosa e Henrique Brown.

Um dos exemplares foi destinado ao próprio autor da tradução. No opúsculo foi publicada uma carta do jornalista Salvador de Mendonça ao escritor José de Alencar. Francisco Otaviano confessou ao amigo Salvador de Mendonça que viu a edição de 1807 em língua gaélica da Sociedade Escocesa de Londres, mas traduziu sobre uma edição de 1814 de James Mac-Pherson, poeta escocês, colecionador de poemas ossiânicos que durante muitos anos coletou os versos, de boca a boca, em gaélico escocês.

 Faz tempo que namoro com os melancólicos Cantos de Selma, Ossian já estava velho e cego quando ditou a maioria dos seus poemas. É grande a polêmica em torno da autenticidade da obra, o doutor Johnsonacusou Mac-Pherson de falsário. Em 1870 John Smith, ministro de Kilbrandon, entrou em defesa de Mac-Person e publicou Antiguidades Gaélicas, provando a autenticidade dos versos de Ossian, o filho de Fingal. Finalmente a Highland Society formou uma comissão para pôr um ponto final na questão, o trabalho resultou num volume de 500 páginas. Alguns estudiosos chegaram à conclusão que os cantos do bardo gaélico têm “vários pontos em comum com Homero, e são por vezes mais belos do que a poesia hebraica”. A polêmica e os Cantos… estão na mira da Confraria dos 100 Bibliófilos do Sertão Paraibano para uma edição especial.