Você conheceu Derréis?

Você conheceu Derréis?

7 de novembro de 2022 Off Por funes

Você conheceu Derréis? por Delzymar Dias.

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 29/07/2022.

 

Luís Alves de Oliveira partiu, se encantou, como diria Guimarães Rosa. Poucos artistas que representam a cultura popular receberam tanto reconhecimento como “Derréis”. Sim, você terá dificuldade em encontrar um artista popular de Patos que tenha, em vida, recebido tantas homenagens públicas e privadas como o nosso Derréis. Não concordo quando se diz que ele não foi reconhecido em vida e vou explicar as razões.

O povo de Patos escolheu Derréis como um dos seus grandes artistas populares, sendo possível perceber isso pelas centenas de convites e homenagens oferecidas em vida. Recebeu prêmios,homenagens, citações e lembranças em escolas, clubes de serviço, fundações, secretarias, prefeituras e autarquias. Dizer apenas que Derréis não foi reconhecido é desconsiderar os diversos painéis espalhados pelos muros da cidade, as várias pinturas realizadas pelos artistas visuais locais, os filmes e documentários produzidos por diversos profissionais, a exemplo de Veruza Guedes (Você conhece Derréis?, 2017), Deleon Souto (Misturador de Ritmos, 2007) e Sara Andrade (Derréis, 2021). O curta Você conhece Derréis? teve direção e roteiro da Veruza Guedes e na direção de fotografia o cineasta Kennel Rógis, chegando a rodar em dezenas de festivais do Brasil e do exterior. O título desse texto é inspirado nesse filme.

Derréis recebeu apoio do empresárioPierre Landolt para gravar seu primeiro CD com músicas autorais. Morou emCampina Grande, fez shows em várias cidadesda Paraíba, cantou, tocou e encantouao se apresentar no Recife Antigo emum grande encontro de maracatus. Passoupor muitas dificuldades ao longo dasua vida e faleceu em uma situação difícil.É justo que as pessoas reproduzam aideia de que Derréis não teve o reconhecimentomerecido, porém, é importanteressaltar que, do ponto de vista artísticoe cultural, houve um notório reconhecimento em vida da sua obra. A grande questão urgente de todo esse processo que envolve essa discussão é como traduzir esse amplo reconhecimento artístico-popular em uma situação que gere um conforto mínimo e proporcione uma qualidade de vida decente para os nossos artistas? Essa discussão precisa ser estimulada a partir da condução de propostas assertivas que levem a adoção de políticas públicas culturais bem planejadas. Os municípios podem criar eventos e festividades descentralizadas no calendário para oportunizar apresentações desses artistas, podem aumentar o valor dos cachês pagos a artistas locais nos grandes eventos, podem apoiar a produção de músicas, livros e documentários que possam arrecadar recursos para os artistas via recolhimento de direitos autorais e de imagem, a união pode criar programas específicos que facilitem o acesso a crédito para compra de moradia própria, enfim, precisamos fazer alguma coisa para transformar esse reconhecimento popular em algo que possa melhorar efetivamente a vida dos nossos artistas, principalmente quando a idade vai avançando, a saúde inspirando mais cuidados e as oportunidades de trabalho diminuindo.

Em 2004, o estado da Paraíba criou um mecanismo fantástico que pode ser discutido em Patos. A lei 7.694 instituiu o registro dos “Mestres das Artes”, que concede um auxílio financeiro de doissalários mínimos aqueles que possuemo reconhecimento público das tradiçõ esculturais desenvolvidas, que tenham larga experiência e vivência dos costumes e tradições culturais e que estejam em situação de carência econômica e social. Além da indicação ser analisada e aprovada pela Conselho Estadual de Cultura, o artista precisa ser paraibano ou brasileiro residente no Estado da Paraíba há mais de 20 anos, ter comprovada participação em atividades culturais por mais de 20 anos e, caso possua condição física,  transmita seus conhecimentos ou suas técnicas a alunos ou a aprendizes.

Atualmente, diversos artistas recebem esse reconhecimento, a exemplo de Francisca da Conceição Barbosa (Indaiá)e Regina Barbosa (Poroca), integrantes do grupo “Ceguinhas de Campina Grande”,o poeta Chico Pedrosa, o xilogravuristaZé Altino, Basto do Acordeon, Teca do Coco de Roda, o artesão Mestre Paulo,a cantora, compositora e instrumentistaCátia de França, enfim, as cidades possuem condição de adaptar a sua realidade financeira local uma lei que atenda aos artistas populares em situações diversas de vulnerabilidade. A valorização precisa ir além do reconhecimento popular. Em tempos de streaming, os artistas locais tendem a ser engolidos pelo mercado, que, através dos grandes eventos, concentra cachês milionários a um pequeno grupo de artistas, enquanto os verdadeiros representantes da cultura popular encontram cada vez mais dificuldade de sobrevivência a partir da sua arte.

A efetivação dessas propostas passapor uma série de fatores, entre eles a valorização das secretarias de cultura dos municípios, a criação e efetivação dos conselhos de cultura, garantindo pluralidade em sua formação, a eleição de bons legisladores para as Câmaras de Vereadores e a criação de espaços fixos nas rádios e TVs locais e regionais que forneçam visibilidade aos nossos artistas. Para além das homenagens, bustos e memoriais, esperamos que a partida de Derréis, um dos nossos maiores representantes da cultura popular, seja um divisor de águas na cultura da capital do sertão, estimulando a adoção de políticas públicas consistentes que promovam uma melhor qualidade de vida para os artistas que vivem em uma situação de vulnerabilidade. Viva Derréis!Viva nossa cultura popular.