O bracelete de beijos

23 de março de 2022 Off Por funes

O bracelete de beijos por José Mota Victor

 

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 06/08/2021 .

 

Logo após a queda da Monarquia, um funcionário do Paço de São Cristóvão transportou para sua humilde residência, no subúrbio da cidade do Rio de Janeiro, em segredo, alguns caixotes com documentos sigilosos do Império do Brasil. Era um calhamaço de cartas íntimas das amantes do Imperador, colecionadas e numeradas com muito esmero durante anos.

Sua Majestade tinha um acordo tácito com as namoradas, as cartas, depois de lidas, teriam que ser queimadas para não deixar vestígios das relações de amor que mantinha em segredo com as honestas senhoras da corte, mas não cumpriu a promessa, não era palavra de Rei… era palavra de amante sexagenário encantado com as beldades ao seu derredor.

Dom Pedro II não tinha intenção de incinerar as missivas, em carta endereçada a Madame Besnoit escreveu em fluente francês: “Diga-me se recebeu as minhas cartas, vou começar a numerá-las este ano…” Qual o motivo de preservar as explosivas correspondências amorosas? De quem partiu a ordem para esconder os documentos? Quem tinha conhecimento da missão que foi entregue a humildes funcionários do Paço Imperial? Perguntas que ainda não foram respondidas pela história.

Restou apenas uma pista para o misterioso caso dos documentos extraviados: no embrulho estava escrito o nome de Pedro Paiva. O caixote com a documentação saiu do Paço de São Cristóvão no dia 16 de novembro de 1889, e ficou escondido e ignorado durante muitos anos. Finalmente, localizaram os caixotes na casa de um filho já idoso do guardião das relíquias, o pai tinha morrido há muitos anos atrás.

 O nome do Manoel Paiva, irmão de Pedro, está ligado a um episódio acontecido no ano de 1882, o célebre roubo das joias da Imperatriz. Manoel devolveu e confessou à polícia o roubo das joias. Perdoado pelo Imperador continuou morando no quintal do Palácio. Por que não foram castigados e expulsos da Quinta da Boa Vista? Diz as más línguas que eram alcoviteiros, sabiam das infidelidades do Imperador e por este motivo foram perdoados e mantidos no emprego.

 É grande a relação das amantes do Imperador: Madame de La Tour, esposa do Conde Ballier de La Tour, Ministro da Itália no Rio de Janeiro; Condessa de Barral, filha do Visconde de Pedra Branca e preceptora das princesas Imperiais do Brasil; Anne Marie Francisca Cavalcanti de Albuquerque, Condessa de Villeneuve, esposa do diplomata que foi enviado extraordinário e Ministro Plenipotenciário na Bélgica; Claire D’Azy; Madame de Balligand e Eponina Otaviano, esposa do senador, poeta e plenipotenciário Francisco Otaviano de Almeida Rosa.

O Imperador mandava cartas para as amantes e pedia que elas enviassem fotografias. Apaixonado, colecionava fotos como os adolescente com seus álbuns de figurinhas. Quem seria a figurinha carimbada? Quando Friedrich Nietzsche se encontrou com D. Pedro II, ficou surpreso com a erudição do Imperador. Depois de Pedro, o Grande e Napoleão Bonaparte foi o terceiro chefe de estado eleito membro da Academia de Ciências francesa. Culto, poliglota, mecenas, fotógrafo amador e poeta bissexto, encantava as mulheres com suas cartas apaixonadas.

 Escreveu para Madame la Contesse de Villeneuve: “Amo-te cada vez mais e tu sabes que sofro de não poder gozar do teu amor nos teus braços” e continuava: “Peço-te ainda mandar-me fotografias, cabelos, tudo o que tiver tocado teu corpo encantador” e finalizava: “Põe teus lábios onde te cobri de beijos. E imagina o que eu sinto por ti”. Em outra carta se revelava poeta: “Faço uma pulseira de beijos nesses braços lindos e entreabro a túnica para me deleitar nesse colo que enrubesce sob as minhas carícias.”

A esposa do poeta Francisco Otaviano de Almeida Rosa, Madame Eponina Barreto, não tinha escrúpulo, sabia das amantes do Imperador, mas não se preocupava com este detalhe, só pedia mais atenção e benesses, como podemos ler nesta carta enviada a Dom Pedro II: “Meu amorzinho. Não imaginas a alegria que tive hoje lendo que estás livre e contente e salvo da tua enfermidade. De coração sinto, eu te juro. Com prazer vejo que ainda podes namorar a Vera e a Amelot. Porém um bocadinho para mim também, sim? Vi também hoje que há uma vaga de Cônsul em Barcelona, pode servir para o meu filho Eduardo que está habilitado.

 Não esmoreças eu te peço, faze o que eu te peço pelo bem que queres a tua filha Isabel. Eu fico esperando uma solução favorável a mim. Por Deus peço que fiques bom e que te possa ver ainda e beijar-te. Mil saudades de tua E.” Mesmo sabendo da traição da esposa, Francisco Otaviano era um homem apaixonado, recitava para Eponina: “Quando eu for velho, e tu fores bem velhinha; quando sobre nossas cabeças cair as neves dos caminhos”…

Era uma mulher bonita e elegante, o escritor Machado de Assis, numa crônica publicada em 22 de setembro de 1895, escreveu sobre a visita que fez ao poeta quando ele estava enfermo na casa do Cosme Velho: “Na mesma sala estava a esposa, ainda elegante a despeito dos anos, espartilhada e toucada, não sem esmero, mas com a singeleza própria da matrona. Tinha também que recordar os tempos da mocidade vitoriosa, quando os salões a contavam entre as mais belas.

O sorriso com que ouvia não era constante nem largo, mas a expressão do rosto não precisava dele para atrair a D. Eponina as simpatias de todos.” Tinha razão o Bruxo do Cosme Velho, a beleza de Eponina chamou a atenção do Imperador.