‘Os Sonetos do Exílio I’

23 de março de 2022 Off Por funes

‘Os Sonetos do Exílio I’por José Mota Victor

 

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 10/09/2021 .

 

Na estante do Império do Brasil: 1822-1889, da Biblioteca Armorial do Pinharas, encontrei um opúsculo que pertenceu ao meu bisavô Miguel Fernandes Motta, filho de Ricardo e pai do meu avô Miguel Fernandes Motta Filho. O opúsculo e uma velha fotografia, com uma singela dedicatória, foram as últimas lembranças enviadas do Rio de Janeiro por seu filho Augusto que tinha migrado para o sudeste e que depois da correspondência nunca mais deu notícia de sua existência na Terra, a plaqueta era uma recordação de saudade, do filho e da Monarquia do Brasil.

 O meu tio Edivaldo Motta ainda tentou encontrar vestígios de Augusto Fernandes da Motta na cidade do Rio de Janeiro, mas as suas buscas foram infrutíferas. Irreverente, chegou na cidade de Patos contando uma história que pouca gente da família acreditou, segundo ele uma famosa atriz brasileira era descendente do tio desaparecido. A história era simples: Depois de certo tempo na capital federal, Augusto adoeceu e ficou aos cuidados de uma caridosa negra da periferia da cidade. Apaixonado teve com ela vários filhos, mas o preconceito enterrou essa história nos recônditos escaninhos da memória familiar.

Nunca mais ninguém falou no assunto e o meu tio-avô foi sepultado num velho álbum de fotografias da família, no verso do retrato a palavra “missing”, escrita por um primo que estava dando os primeiros passos no aprendizado da língua inglesa. A plaqueta Sonetos do Exílio – Recolhidos por um Brasileiro, do finado D. Pedro de Alcântara, foi publicada em Paris no ano de 1898 por um anônimo monarquista. O singelo e raríssimo opúsculo tem apenas 27 páginas e sete sonetos. Pelo apuro gráfico podemos considerar uma edição maravilhosa (17 x 12 cm), de colecionador, papel especial, capa verde musgo e diagramação impecável com letra capitular e desenhos no final dos sonetos.

 Mesmo depois de mais de 120 anos, a plaqueta se encontra em perfeito estado de conservação protegida por uma jaqueta de plástico transparente. No ano de 1932, a Editora Guanabara (Waissman, Reis & Cia., Ltd. Rua dos Ourives, 95) publicou os Sonetos do Exílio como produções apócrifas no livro Poesias Completas de Pedro II. Os dois exemplares, a plaqueta e o livro, são raríssimos e pertencem à Biblioteca Armorial do Pinharas. Afirmo como um conhecido livreiro e famoso sebista Paulista:

“Não posso mensurar o valor, são preços proibitivos”.

A plaqueta é dedicada à Sua Majestade a Senhora D. Isabel: Senhora! Quando não foreis, por direito de legitimidade, a Imperatriz dos Brasileiros, caber-vos-hia o título que ora vos attribuimos, porque a majestade do nascimento e da lei reunis o da benemerência, que vos fez aclamar Redemptora de meio milhão de compatriotas.

A oferta que hoje vos fazemos, Senhora, é valiossissima, porque não tem de nossa mesquinhez sinão o trabalho de coligir e expor á luz meridiana sete belíssimas composições d’Aquele que foi vosso Pae, nosso Imperador e cuja sacrílega deposição encetou para o Brasil uma era de ruinas e opprobrios infelizmente ainda não concluída.

Diganae-vos Senhora, de aceitar esta homenagem no espirito que nol a dictou, pedindo-vos humilde excusa do anonymato, que é para nós segurança de vida n’uma quadra em que à imprensa responde o punhal assassino e o facho incendiário. Senhora! Deante de vossas virtudes, do vosso heroico feito e do vosso imerecido infortunio, para beijar-vos a mão respeitoso curvamos a fronte, que temos conservado erguida em frente da usurpação. Rio, I° de Outubro de 1898, 67.° Do Imperio e 9.° do grande crime.

Um Brasileiro. Os primeiros passos para o exílio de Dom Pedro II aconteceram no início da madrugada do dia 17 de novembro, quando o Major Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro, pai da futura esposa do escritor Euclides da Cunha, foi anunciado e entregou pessoalmente a ordem de banimento da família Imperial.

Os diálogos do encontro, apenas os diálogos entre aspas, é do manuscrito Memória para os meus filhos da Princesa Isabel:

 – “Trago a Vossa Excelência…”

Inseguro e pálido consertou:

– “Trago a Vossa Alteza…”

Por fim resolveu seguir o rito Imperial:

 – “Trago a Vossa Majestade esta mensagem do Governo Provisório…”

Aguardou por um instante diante da impávida figura de Pedro II e perdeu a paciência com à demora da resposta:

– “Não tem Vossa Majestade uma resposta a dar?”

O Imperador continuou em silêncio e leu várias vezes o ofício, por fim levantou a vista, colocou o ofício no envelope e respondeu pacientemente:

– “Por ora não.”

– “Então posso retirar-me?”

Dom Pedro foi monossilábico:

– “Sim.”

Olhou novamente para o Major e se retirou calmamente para capela do Palácio. Anos atrás, das próprias mãos de Dom Pedro II, o Major Sólon tinha recebido uma espada de ouro com o Brasão do Império do Brasil.