Quando a história vira arte: o mural da Fundação Ernani Sátyro

3 de novembro de 2025 Off Por Funes Patos

Quando a história vira arte: o mural da Fundação Ernani Sátyro por Roberta Livia de Sousa Gomes.

Texto extraído da coluna FUNES do Jornal A União publicado na data de 31/10/2025.

 

No dia 30 de outubro, a Fundação Ernani Sátyro viveu um momento de profunda emoção com a reinauguração do novo mural artístico, uma obra que traduz, em traços e cores, a memória viva de um homem que marcou a história de Patos e da Paraíba: Ernani Ayres Satyro e Sousa. O evento celebrou não apenas uma restauração física, mas a continuidade de um legado que resiste ao tempo e se reinventa através da arte.

O evento de inauguração reuniu amigos, autoridades e artistas locais, em uma noite de emoção e celebração. Nitidamente se reafirmou o propósito maior da fundação: ser um espaço de fruição cultural e artística, um lugar onde a cultura respira, se expressa e se renova, aproximando a comunidade das artes, da memória e do conhecimento. A Fundação Ernani Sátyro nasceu com o compromisso de preservar e valorizar o legado desse homem público que dedicou sua vida ao desenvolvimento de Patos e ao fortalecimento da identidade cultural paraibana.

O mural, agora revitalizado, narra em imagens e cores uma história que se confunde com a própria trajetória da cidade. Seu percurso visual começa pela infância de Ernani, representada em uma foto que o mostra ainda menino, olhar atento e sereno, prenúncio da curiosidade e da sensibilidade que o acompanhariam por toda a vida. Em seguida, vemos a imagem dele ao lado de sua esposa, Antonieta, carinhosamente chamada de Dedê, símbolo de afeto, cumplicidade e parceria. A presença dela no mural revela o lado humano de Ernani como o homem que amou, sonhou e escreveu sobre a beleza da vida e da convivência.

Entre as figuras que compõem a obra, destaca-se a máquina de datilografia, companheira inseparável de suas madrugadas literárias. Foi com ela que Ernani transformou pensamentos em crônicas, discursos e versos, traduzindo em palavras a inquietude e a ternura de sua alma sertaneja. Refletida no mural, o elo entre o poeta e sua eternidade o símbolo da força criadora que moveu sua vida.

E é nesse mesmo espírito que o mural se abre para o ponto alto de sua composição: o poema “O canto do retardatário”, gravado sobre o fundo amarelo de um grande livro aberto, como se o próprio autor sussurrasse seus versos:

“Pouco importa que o canto seja tardio.
Se não tinha amadurecido, ainda não era canto.
A idade do poeta se mede pelo amadurecimento do canto.
Cantar não é desejar a glória.
É simplesmente cantar.
A gente nasce para viver,
O canto rompe para vibrar.
O resto é com quem ouve.
O poeta não tem nada com isso.
Já houve um santo que ralou as aves.
Mas eu sou ave, canto para as árvores.
Árvores, ouvi-me!”

Esses versos resumem o sentido maior da obra e da vida de Ernani Sátyro. Seu canto, mesmo “tardio”, nunca foi em vão. Foi o canto de quem amadureceu junto com o povo, de quem soube que a poesia é mais que arte. É compromisso com o tempo, é expressão da alma e da história. Ernani não desejava glória, desejava permanência. E hoje, através do mural, seu canto reverbera novamente pelas paredes da Fundação, atravessando gerações.

A narrativa visual continua com as principais obras de sua gestão como governador (1971–1975), registradas como capítulos de um legado transformador: o Fórum Miguel Sátyro e Sousa (Unidade Administrativa Integrada), a instalação do Quartel do Batalhão da Polícia Militar, o novo Grupo Escolar Rio Branco, a Escola Polivalente Capitão Manoel Gomes — hoje prédio da UEPB —, e a grandiosa Barragem da Farinha, inaugurada em 1975, marco de desenvolvimento e de esperança para o sertão.

Cada imagem, cada cor e cada traço do mural convidam o visitante a revisitar não apenas a biografia de um homem, mas o espírito de uma época em que a arte, a política e a palavra caminhavam juntas. O mural é mais que uma homenagem. Ele é uma narrativa viva, um livro pintado nas paredes da fundação, onde cada símbolo traduz o amor de Ernani por sua terra, por sua gente e por sua missão.

A Fundação Ernani Sátyro reafirma, com esta inauguração, o compromisso de manter viva a memória de um homem que construiu pontes entre o pensamento e a ação, entre a poesia e o serviço público. É um espaço que existe para inspirar novas gerações, para lembrar que o verdadeiro canto, aquele que nasce amadurecido pela vida, nunca se cala.

Assim, o mural se ergue como um espelho do tempo, onde passado e presente se encontram em harmonia. Ernani Sátyro permanece ali, inteiro no menino curioso, no marido afetuoso, no político visionário e no poeta que, como ele próprio disse, “canta para as árvores”. E agora, em cada parede do muro da Fundação, o seu canto ecoa novamente, vivo, maduro e eterno. Um canto que pertence à alma de Patos e à memória da Paraíba.

Mural homenageia Ernani Sátyro com passagens de sua vida ilustradas ao longo do muro da fundação: de criança a homem público