A arte como elo de pertencimento

27 de outubro de 2025 Off Por Funes Patos

A arte como elo de pertencimento por Mayres Limeira.

Texto extraído da coluna FUNES do Jornal A União publicado na data de 24/10/2025.

 

No Sertão, a cultura não é apenas manifestação estética, é sobrevivência. Em meio às intempéries, às carências estruturais e aos silêncios que o tempo impõe, ela ergue-se como o mais autêntico gesto de permanência. Em Patos, essa força criadora transborda dos palcos convencionais e encontra nas ruas, nas praças e nos olhares cotidianos o seu território de expressão. A arte, aqui, é tanto abrigo quanto ato político.

Nos últimos anos, um movimento vigoroso tem se formado entre os jovens patoenses: o das batalhas de rima. Elas tornaram-se mais do que encontros artísticos, são espaços de fala, crítica e reconstrução identitária. Em rodas abertas, onde o microfone é símbolo de liberdade, a juventude transforma suas vivências em versos. Ali, a palavra é ferramenta de denúncia, mas também de cura. Cada rima improvisada carrega o peso das realidades sociais e, ao mesmo tempo, o alívio de poder transformá- -las em arte. É nesse gesto, aparentemente simples, que a resistência cultural se afirma com mais potência: sem estrutura, sem patrocínio, mas com verdade e pertencimento.

O artista de rua, muitas vezes invisível aos olhos das instituições, é quem mantém viva a pulsação cultural das cidades. Ele cria a partir da escassez, movimenta o que está adormecido e desafia o apagamento. Sua arte não busca o aplauso imediato; busca o encontro. Ao pintar um muro, cantar em uma calçada ou recitar em uma praça, o artista de rua devolve humanidade aos espaços e rompe com a indiferença que tantas vezes paira sobre o cotidiano urbano. Em Patos, esse fenômeno tem ganhado força, revelando uma juventude criativa, crítica e disposta a construir uma nova narrativa cultural.

Mas a cidade não vive apenas de novidades, ela alimenta-se também da tradição. As quadrilhas juninas, com suas coreografias meticulosas e figurinos exuberantes, continuam a ser um dos mais fortes símbolos da cultura popular. A cada mês de junho, Patos se transforma em um grande palco, onde o ritmo do forró se mistura à memória afetiva de um povo que faz da festa uma reafirmação de identidade. As quadrilhas juninas não são simples apresentações: são expressões de coletividade, herança e orgulho.

O mesmo se pode dizer das grandes celebrações que marcam o calendário patoense. O São João de Patos, com sua dimensão simbólica e emocional, é um dos maiores exemplos de como a cultura se converte em patrimônio imaterial. O Patos Moto Fest, por sua vez, alia música, solidariedade e espírito livre, consolidando-se como espaço de convivência e diversidade. A Festa de Nossa Senhora da Guia, em setembro, representa o ponto de encontro entre fé e tradição, quando o sagrado e o popular confundem-se e revelam a alma devocional da cidade. Já o carnaval de Patos, com seu colorido inconfundível, reafirma a criatividade e a alegria do povo sertanejo, capaz de celebrar a vida mesmo em meio às adversidades.

Cada um desses eventos, à sua maneira, constrói e reafirma o sentimento de pertencimento. Eles formam um tecido cultural complexo e vibrante, onde o antigo e o novo coexistem, onde o popular e o urbano dialogam, onde o espontâneo e o institucional se entrelaçam. É nesse entrelaçamento que a cultura patoense encontra sua força: na capacidade de se reinventar sem perder a essência.

O que se vê em Patos é a consolidação de uma identidade cultural plural, que ultrapassa o mero entretenimento. A arte se transforma em linguagem social, em forma de resistência e, sobretudo, em afirmação de existência. Em tempos em que o imediatismo e o consumo tendem a reduzir a experiência humana, a persistência da arte, seja nas rimas improvisadas, nas quadrilhas juninas ou nas grandes festas populares, é um gesto de lucidez e coragem.

A cultura, afinal, é o que nos mantém humanos. É ela que resiste quando o progresso tenta nos uniformizar, que acolhe
quando a pressa nos dispersa e que dá voz quando o silêncio parece inevitável. Em Patos, essa verdade se manifesta com intensidade rara. A cada evento, a cada artista, a cada celebração, o que se afirma é a certeza de que o Sertão não é ausência, é presença viva, criadora e vibrante.

E talvez seja, justamente, isso que faz da cultura um ato de resistência: a capacidade de continuar florescendo mesmo sob o sol mais árido.

São João: cultura converte-se em patrimônio imaterial