Algoritmo: algoz do ritmo

3 de fevereiro de 2025 Off Por Funes Patos

Algoritmo: algoz do ritmo Por Bruno Almeida.

Texto extraído da coluna FUNES do Jornal a União publicado na data de 31/01/2025.

 

Vivemos em um tempo em que o ritmo da vida não é mais determinado pela pulsação do coração ou pelo ciclo natural das coisas. Ele foi capturado, moldado e acelerado por um algoz invisível: o algoritmo. Sob o domínio da inteligência artificial e das redes sociais, nos tornamos reféns de um fluxo contínuo de estímulos, notificações e demandas, como se a nossa existência estivesse sido programada para girar em torno de métricas e não de significados.

Byung-Chul Han, descreve a sociedade contemporânea como um espaço onde o excesso de positividade e produtividade transforma cada indivíduo em um “empreendedor de si mesmo”. O algoritmo, com sua lógica de eficiência e otimização, torna-se o grande maestro desse espetáculo, impondo-nos o culto da performance. Cada curtida, cada compartilhamento, cada engajamento torna-se uma validação temporária, mas vazia, que nos encarcera em uma busca incessante por relevância e visibilidade.

A vida, antes pautada por ciclos, pela alternância de momentos de trabalho e descanso, de silêncio e som, agora é uma linha reta de exposição contínua. O tempo foi fragmentado em uma série de micromomentos capturados e explorados pelo algoritmo. Já não temos mais o tempo para nos perder, para contemplar, para apenas ser.

Anselm Grün, em sua obra sobre espiritualidade e equilíbrio interior, nos convida a resgatar a dimensão contemplativa da vida, algo que parece ter sido sequestrado pela tirania digital. Ele fala da importância de desacelerar, de criar espaços de silêncio e introspecção, em que, possamos ouvir a nós mesmos e ao mundo de forma mais profunda. É uma proposta que ecoa a ideia de Michel de Certeau sobre a “arte de caminhar”, o simples ato de andar sem rumo como um gesto de resistência contra a lógica da produtividade e do controle.

O paradoxo que enfrentamos é cruel: vivemos em um mundo hiperconectado, mas cada vez mais desconectados de nós mesmos e dos outros. As redes sociais, que prometem unir, realizaram bolhas que nos isolaram. A inteligência artificial, com sua capacidade de prever e manipular nossos desejos, rouba-nos o espaço para a espontaneidade e a
surpresa. Até nossas pausas, nossos momentos de lazer, são colonizados por uma lógica que nos exige atenção constante às telas.

No entanto, há caminhos para resistir a essa ditadura do ritmo imposto. Podemos nos inspirar na proposta de Han por uma “sociedade do aroma”, na qual o tempo não é governado pela urgência, mas pela duração. É o tempo de saborear o café sem pressa, de olhar para o céu sem motivo, de estar com o outro sem um propósito importante. Essa desaceleração exige coragem, pois significa abdicar de um status que o mundo digital tanto valoriza.

A contemplação é um ato de rebeldia. É no silêncio, na pausa, que recuperamos a nossa humanidade. Como afirma Grün, “o essencial não é fazer mais, mas ser mais”. Esse resgate não se dá sem esforço; ele exige que cultivemos rituais cotidianos que nos protejam do turbilhão digital. Pode ser um momento de meditação ao amanhecer, a leitura de um livro à noite, ou o simples ato de caminhar sem um destino específico.

O algoritmo, embora poderoso, não é invencível. Ele se alimenta de nossa atenção, mas somos nós que escolhemos para onde olhar. Ao reivindicarmos nosso ritmo, estamos declarando que somos mais do que dados, mais do que padrões previsíveis.

Talvez a pergunta mais urgente do nosso tempo não seja “o que o algoritmo quer de mim?”, mas “o que eu quero da vida?”. Ao enfrentarmos essa questão com sinceridade, podemos começar a construir um mundo onde o ritmo da existência não seja imposto por máquinas, mas sintonizado com a essência do ser.