Fé, memória e identidade de um povo

13 de outubro de 2025 Off Por Funes Patos

Fé, memória e identidade de um povo por Roberta Livia de Sousa Gomes.

Texto extraído da coluna FUNES do Jornal A União publicado na data de 10/10/2025.

 

Há mais de um século, mais precisamente em 1914, a cidade de Patos veste-se de fé. As ruas ganham a alegria dos partes, o som das filarmônicas e o colorido das bandeiras que anunciam a chegada da Festa da Guia. A celebração que transcende o tempo e continua a unir gerações sob o manto azul de Nossa Senhora da Guia. Entre orações, encontros e lembranças, o coração sertanejo renova-se a cada setembro, como quem reencontra um pedaço de si mesmo.
A origem dessa festa remonta ao nascimento de um pequeno povoado que começava a se formar às margens do Rio Espinharas. Erguida uma capela em sua homenagem, esta foi elevada à condição de matriz, marcando o nascimento da Paróquia de Nossa Senhora da Guia e, com ela, o início de uma tradição que se tornaria a mais importante manifestação religiosa do Sertão paraibano. Desde então, a devoção se espalhou, moldando o modo de viver, de rezar e de festejar de um povo.

Os registros históricos apontam que, no início, as celebrações eram simples: novenas, missas e procissões discretas, conduzidas à luz das lamparinas e da fé. Com o passar dos séculos, a Festa da Guia cresceu junto com a cidade. Vieram as filarmônicas, como a 26 de Julho, que trouxe a música para as alvoradas. O religioso propaga-se através do festejar, temos as barracas de comidas, parques e entretenimentos diversos, típicos da alma nordestina que sempre busca unir o sagrado à alegria.

Mas foi especialmente após a reconstrução da catedral, que a festa consolidou-se como referência regional. Tornou-se não apenas um evento litúrgico, mas também um momento de reencontro e identidade. Famílias inteiras retornam à cidade apenas para participar da novena, assistir ao hasteamento da bandeira ou seguir em procissão no último dia, quando o povo despede-se da padroeira com lágrimas, cânticos e promessas renovadas.

Guia
Famílias inteiras
retornam à cidade
apenas para participar
da novena, assistir ao
hasteamento
da bandeira ou seguir
em procissão
no último dia

A cada edição, Patos transforma- -se. A fé movimenta a economia, impulsiona o turismo e fortalece laços culturais. Hospedagens lotam, ruas se enchem de devotos e visitantes, e o comércio local se aquece. Mas, acima de tudo, é a dimensão simbólica que mais impressiona: a Festa da Guia é, ao mesmo tempo, memória e resistência. É o gesto de quem insiste em manter viva uma tradição que começou ainda no Brasil colonial e que, em 2025, ultrapassa os 101 anos de celebração contínua.

Mesmo com as mudanças do tempo, a modernização, as redes sociais, as transmissões ao vivo, o essencial permanece. A imagem de Nossa Senhora sendo conduzida pelas ruas de Patos segue com a mesma força que emocionava os fiéis de outrora. A cada toque de sino, é como se o passado se fizesse presente: o mesmo fervor, o mesmo olhar agradecido, o mesmo silêncio diante do sagrado.

A Festa da Guia é mais do que uma comemoração religiosa: é o coração pulsante de uma cidade que aprendeu a transformar a fé em arte, a devoção em cultura e a saudade em reencontro. Quando setembro chega, Patos torna-se romaria, canto e oração. É o tempo de agradecer, de recomeçar, de ser guiado, como diz o significado do nome da santa, pelo caminho da luz e da esperança.

E assim, entre o som da banda e o murmúrio das preces, a festa continua, reinventando-se sem perder a essência. De geração em geração, Nossa Senhora da Guia segue conduzindo os passos do povo patoense, como um farol que, há mais de dois séculos, ilumina o Sertão e mantém acesa a chama da fé que fez nascer esta cidade.