A passagem de Flávio Sátiro

2 de maio de 2023 Off Por funes

A passagem de Flávio Sátiro por Inácio Andrade Torres .

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 28/04/2023.

Nascemos na mesma cidade, Patos da Paraíba. Estudamos no mesmo colégio, embora nem chegamos a ser contemporâneos – o Diocesano de Patos. Pertencemos à mesma Confraria de Bibliófilos da Paraíba. Pertencemos a gerações distintas.

Falo de Flávio Sátiro Fernandes, que faleceu em abril deste ano, aos 81 anos de idade. Amante e construtor da boa leitura, advogado, escritor, professor universitário e poeta consagrado. Autor de vários livros e artigos. Excelente cronista. Membro de várias instituições e academias agregadas às letras.

Dentre seus muitos escritos, no âmbito literário, realço os romances A Cruz da menina e Festa de setembro. Da sua produção mais recente, destaco o sensacional ensaio sobre o repertório de vida do autor, traduzido na extraordinária crônica intitulada O mundo visto da janela, publicada no livro Antologia da Crônica do Sertão, em que Flávio, com maestria invejável e invejável amor telúrico, convida a sua criança interior para, através de seus olhos, refazer sua primeira visão do mundo, com a luminosidade do amor, da esperança, da justiça e da paz infantil.

Diz Flávio: “(…) da janela podiamse admirar dois momentos bem diversos da vida – a alegria e a tristeza, poispela rua eles passavam. Um, quando dos festejos momescos, pois a avenida era o palco dos pequenos blocos carnavalescos, blocos de uma cidade do interior que excitavam a animação dos jovens e velhos foliões. E o outro instante, de tristeza, quando se via a passagem dos féretros que sempre, por lá, se dirigiam, primeiro, para a igreja, onde o morto recebia a encomendação religiosa e, em seguida, para o cemitério da cidade. E assim, a janela mostrava que o mundo não é só alegria de Momo, mas tristeza também quando a ‘indesejada das gentes’ passa e leva um, para lembrar o pó que somos”.

Indaga Bert Hellinger, criador da constelação familiar: “Estarei pronto quando esta última coisa (a indesejada das gentes) chegar? Ou serei surpreendido? Ela não precisa chegar. Está sempre perto de mim, sem se mostrar. É uma acompanhante.Segue comigo aonde vou, a um braço de distância sem me tocar. Quando me toca começa a passagem, longa ou curta. A morte sempre vem no momento oportuno, seja porque não existe lugar para nós neste mundo, seja porque nosso tempo expirou e cumprimos nossa missão, seja porque chegou o momento de dar lugar a outras pessoas. E assim, por meio da morte, somos levados de volta à base primordial da qual a vida se ergue e na qual tornamos a afundar”.

Quem assistiu a missa de sétimo dia de Flávio Sátiro, em João Pessoa, na Igreja de Nossa Senhora de Fátima, observou que na homilia, rica em conceitos relacionados à vida e à morte, saiu ao final ricamente cheio de graça e sabedoria. Fundamentando-se em Santo Agostinho, o celebrante explicou que amar é deixar memórias. Os que adormecem no colo da virgem Santa Maria sempre celebrarão a vitória da vida sobre a morte. Crerá que a vida sempre vencerá a morte e o bem vencerá o mal. E mais, como afirma Santo Agostinho: “A morte não é nada. Eu somente passei para o outro lado do caminho. Eu sou eu, vocês são vocês. O que eu era para vocês, eu continuarei sendo. Me deem o nome que vocês sempre me deram, falem comigo, como vocês sempre fizeram. Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas, eu estou vivendo no mundo do criador. Não utilizem um tom solene ou triste, continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos. Rezem, sorriam, pensem em mim”. Encerro com a reflexão de Thorton Wilder: “A maior homenagem aos falecidos não é a tristeza, mas a gratidão de ter desfrutado da presença deles”.

Flávio viverá sempre na mente e corações de seus familiares e amigos. Como foi dito anteriormente amar é deixar memórias. E ele deixou memórias em abundância que tornar-se-ão pérolas para a prosperidade.