Acervos

22 de março de 2022 Off Por funes

Acervos por Prof. Delzymar Dias

 

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data  de 26/03/2021 . 

As bibliotecas públicas estão deixando de existir. Faltam investimentos, visão técnica e uma leitura da realidade que enxergue para além da ampliação necessária dos meios digitais. Sancionada há mais de uma década, a Lei 12.244/10 não saiu do papel e se tornou mais um símbolo da legislação que não encontra aplicabilidade prática. Seu objetivo era fazer com que, até maio de 2020, todas as escolas brasileiras tivessem uma biblioteca escolar com um acervo proporcional a, pelo menos, um livro por aluno matriculado.

Aparelhos e aplicativos específicos de leitura ganham cada vez mais espaço entre os leitores, impulsionando a publicação dos e-books para que o conhecimento chegue ao maior número possível de pessoas. O problema é que, com a pandemia e a proliferação desses meios digitais de leitura, ensino e aprendizagem, ficou mais evidente que o universo digital pleno atinge um percentual bem reduzido de pessoas. Jovens sem acesso à Internet ou equipamentos básicos, se veem totalmente desamparados e sem alternativas viáveis para dar prosseguimento aos estudos ou viver novas experiências a partir da leitura regular. Sendo assim, temos uma oportunidade única de ressignificar conceitos e posições que colocavam as bibliotecas físicas em fase de declínio e fechamento.

Esses espaços continuam sendo essenciais na formação de leitores, abrindo portas e janelas para um mundo de novos conhecimentos. A Fundação Ernani Sátyro (Funes), localizada na cidade de Patos, Sertão da Paraíba, possui um dos maiores acervos de documentos históricos e obras clássicas disponíveis para pesquisa e leitura. Os espaços onde estão localizados esses acervos representam organismos vivos e vibrantes que se contrastam com a manutenção e preservação original da casa museu onde a família de Ernani Sátyro viveu.

O patrono da instituição possuía uma forte relação com a literatura e com a produção do conhecimento. Foi membro da Academia Paraibana de Letras, da Academia Brasiliense de Letras e da Academia de Letras de Campina Grande (PB), além de ter sido sócio-efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e Patrono da Cadeira nº 3 do Instituto Histórico e Geográfico de Patos, ocupada atualmente por Flávio Sátiro Fernandes. Romancista, poeta, ensaísta e cronista, Ernani Sátyro publicou, entre outras obras, dois romances: O quadro-negro (1952) e Mariana (1956).

Em sua biblioteca particular, totalmente disponível à população para consultas e visitas, estão raridades da literatura nacional e estrangeira. Algumas dessas obras guardam dedicatórias que aproximam o leitor e o pesquisador do objeto de estudo. Os admiradores de Guimarães Rosa, um dos maiores escritores brasileiros, autor de Grande Sertão: Veredas, clássico da literatra nacional, podem conferir duas obras com dedicatórias direcionadas a Ernani Sátyro que sugerem uma proximidade entre os dois. No livro Sagarana, que é a primeira obra publicada por Guimarães Rosa, escreve em dedicatória o seguinte texto: “A Ernani Sátyro. feliz autor dêsse livro belo e claro que é o Quadro Negro, que já li três vezes e sempre com prazer maior. Com toda a simpatia, a admiração e o apreço do Guimarães Rosa. Rio, 27.II.56”. (sic) Já em Primeiras Estórias, o escritor, diplomata, novelista, romancista e contista se refere ao patrono da Fundação Ernani Sátyro como “magnífico romancista, magnífica presença e magnífico amigo”. No acervo da Funes, vários outros autores também direcionaram dedicatórias em suas obras a leitura e apreciação de Ernani, a exemplo de Carlos Drummond de Andrade, Bernardo Élis, Breno Acioly, Ruy Santos, Chico Anísio, Rodrigues Marques, Edla Van Steen, Vinícius de Morais e Otto Lara Resende.

É claro que entre essas obras não poderiam faltar autores paraibanos de destaque com dedicatórias que explicitavam a boa relação com o escritor patoense. Três desses autores são personagens marcantes da literatura brasileira no século 20: José Américo de Almeida, José Lins do Rego e Ariano Suassuna. Esse último encaminhou uma das primeiras edições de O Romance da Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, com a seguinte dedicatória: “Para Ernani Sátyro, lembrando os nossos encontros de 1942 na Praia Formosa. Ao Paraibano, ao escritor, ao amigo. Rio, 1. IX.71.”

Seja nas escolas ou fundações, a manutenção e ampliação desses espaços pelo poder público é essencial para que as pessoas tenham acesso a todos esses livros e documentos que fazem parte da história da literatura brasileira. Como disse Frei Betto, em Ofício de escrever, obra direcionada a uma reflexão sobre a produção literária, “Escrever é escavar memórias, hábitos, histórias, ideias e perfis”. Através do estímulo a leitura, aumentamos as possibilidades desse leitor entrar em contato direto com a nossa identidade cultural e social, tanto em âmbito local como nacional.