As antigas bodegas de Patos

As antigas bodegas de Patos

24 de março de 2022 Off Por funes

As antigas bodegas de Patos por José Romildo de Sousa.

 

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 04/02/2022.

 

 

Duas matérias publicadas recentemente sobre a Mercearia Faustino e sobre a Bodega do Sertão me avivaram a curiosidade de pesquisar mais a fundo estes importantes equipamentos de vendas ao consumidor que existiram e ainda conseguem sobreviver, mesmo diante dos modernos equipamentos, a exemplo dos mercadinhos e supermercados, que começaram a surgir na Morada do Sol a partir da década de 1970. Presente em toda a região do Nordeste brasileiro, a famosa e tradicional bodega também conhecida pelo nome popular de “venda”, sempre teve a função de fornecer aos seus clientes através da uma “caderneta”, sistema simples que anotava as compras que eram adquiridas como gêneros alimentícios, produtos de limpeza e higiene, bebidas, materiais de construção, utensílios diversos, entre muitos outros produtos.

 Dentro desse contexto, conseguimos levantar uma substanciosa quantidade destas mercearias que existiram aqui em Patos, a exemplo da Bodega de Toinho Davi e Zé Menino, na 18 do Forte; a de José Gomes, na Rua do Prado; a de Seu Eugênio e Pedro Candeia, na Horácio Nóbrega; a do Pai de Coriolano e Moura atrás da Telpa; a de Seu Genival, Seu Tino e Adauto Lilioso, nas imediações da Rua da Pedra e o ramo era tão cultivado que existiu bodegueiro que teve seu nome associado a profissão, como foi o caso de “Zé da Bodega”.

Entretanto, um bodegueiro que teve destaque neste segmento foi Manduri, que tinha seu estabelecimento onde hoje funciona o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea), na praça Edivaldo Mota, sendo um irreverente comerciante da época, pois não tinha a língua presa para ninguém que o interpelasse com alguma pergunta besta. Certo dia, em época de inverno, estava ele em cima da casa dando uma arrumada nas telhas quando o Major Miguel Sátyro foi passando e perguntou:

– Fazendo o que aí em cima da casa Manduri?

E Manduri sem contar conversa:

 – Um Açude, Major!

E repetiu:

– Um Açude, Major!

Noutra ocasião estava ele sentado num tamborete com uma varinha riscando o chão e de novo o Major Miguel:

 – Procurando o que homem?

 E Manduri sem titubear:

 – A justiça de Patos, Major! Outra feita foi a vez de um cliente procurando se tinha cachimbo de cereja, Seu Manduri foi tirando um a um da caixa e o freguês experimentando cada um deles, sem se decidir.

Chegando ao limite da sua paciência, seu Manduri perguntou:

 – Você tem irmãs?

E o cliente:

– Tenho seis.

E aí Seu Manduri aproveitou para soltar o verbo:

– Você achava bom se o cabra chegasse na sua casa querendo casar com uma de suas irmãs, mas antes experimentasse todas elas?!… O rapaz saiu soltando fogo pelas “ventas”. Mas tinha também bodegueiros que não perdiam a oportunidade de “dá o troco” aos fregueses que só o procurava sua venda quando não encontravam o produto necessitado nas outras bodegas.

Sobre esse “expediente”, Mazim de Zé Conrado, jogador que atuou no futebol patoense, conta que: “Massilon, filho de Louro, lhe contou que certo dia estava se aprontando para ir ao cinema quando notou que um botão da camisa estava quase caindo.

Então, ele correu e ao chegar na Bodega de Manoel Perônico, que ficava na rua 18 do Forte, foi logo pedindo:

 – Seu Manoel, minha mãe mandou comprar um carretel de linha preta…

O bodegueiro o interrompeu com a mão e mandou brasa:

– Tenho Sim! Mas não vendo, não.

Pois sei que você só veio comprar aqui porque não encontrou nas outras mercearias. Para provar que a mercearia ainda tem sucesso garantido, nos dias atuais foi montada na Rua Pedro II, no Santo Antônio, em Patos, a Bodega do Sertão, que vem arregimentando um grande número de clientes pela diversidade dos produtos que comercializa.

Para se ter uma ideia seu proprietário já inaugurou recentemente duas filiais: uma fica na Rua Manoel Pedro de Oliveira, 111, próximo à Igreja Pentecostal, no Monte Castelo e a outra na Rua Horácio Nóbrega, no Belo Horizonte. O “chama” da Bodega do Sertão, segundo a sua grande clientela é o atendimento e a qualidade dos produtos comercializados: queijo, leite, manteiga da terra, nata, coalhada, borra, mel de abelha, mel de engenho, fubá doce, doces variados, pamonha, mel de caju, castanha, ovo de capoeira, feijão verde, bolachas, biscoitos, rapaduras, entre outros.

No seu livro Relíquias, o inolvidável escritor Virgílio Trindade Monteiro define com muita propriedade o real sentido da palavra “bodega”, ao assim se manifestar:

“A bodega é uma instituição social, mesmo num sistema capitalista; é como se fosse uma coisa de todos. Você compra caro, mas fica satisfeito, porque lá você abusa, toma dinheiro emprestado, compra fiado, manda a toda hora, abre tarde da noite, conversa com vizinhos e amigos e, o que é mais importante, compra pão, açúcar, sal, comprimidos, bebidas, gilete, cigarros, fumo de rolo, sabão, comida, vassoura, veneno, cimento, rapadura e o que mais queira, na medida do seu varejo e do seu dinheiro, já que o ‘retalho’ é a salvação do pobre”.