‘Como estrelas na terra’

24 de julho de 2023 Off Por funes

‘Como estrelas na terra’por Delzymar Dias.

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 21/07/2023.

Como estrelas na terra não é um filme apenas sobre inclusão. A história que envolve o garoto Ishaan Awasthi e o professor Nikumbh vai além da contextualização dos problemas de escrita, leitura e disciplina. O longa-metragem mostra a necessidade de não enxergarmos a escola como uma arena.

Pintura do garoto Ishaan Awasthi realizada pelo professor no filme indiano

Pintura do garoto Ishaan Awasthi realizada pelo professor no filme indiano

Ishaan Awasthi é um aluno que não se encaixava no modelo educacional que estava inserido, não por indisciplina ou displicência voluntária, Ishaan era disléxico, um problema que dificulta a decodificação de letras e números. Situações simples de sala de aula tornam-se uma tortura para quem possui dislexia. Quando o professor exige que o aluno realize tarefas sequenciais simples como pegue o livro dois, abra na página cinco, leia os capítulos três e quatro e faça um resumo de duas páginas, isso cria uma confusão onde as ordens são embaralhadas na cabeça da criança.

A escola apresentada no filme mostra um espaço tradicional onde alunos são barrados por estarem com os sapatos sujos ou gravatas tortas. Alunos também são retirados de sala de aula por não terem realizado as tarefas e os castigos físicos são comuns no ambiente. Imagine, por um momento, ser uma criança ou adolescente que possui alguma psicopatologia e ser obrigada a vivenciar por 12 horas diárias um ambiente na qual ela é incompreendida em sua essência. Imagine, por um momento, estar em um ambiente que você é comparado, medido e analisado a partir de critérios avaliativos que fogem totalmente do seu controle e da sua compreensão.

A escola atual não admite, mas a estrutura do ensino e dos métodos avaliativos não foi pensada para receber pessoas com dificuldades, sejam elas motoras ou intelectuais. O educador Lauro de Oliveira Lima já dizia em O Impasse na Educação, que é “um hábito brasileiro falar uma linguagem futurista e realizar uma política colonial”. O volume de conteúdos, a didática, as diversas formas de ranqueamentos internos e externos e o nosso modelo avaliativo predominante mostram que ainda temos muito a avançar.

Tratamos a escola como um depósito de preferências momentâneas e o aluno, muitas vezes, é tratado como cobaia de pensamentostransitórios. Toda pessoa que fica empolgada ao estudar determinado assunto, compartilha a ideia de que isso precisa ser ensinado nas escolas. O coach de finanças diz que a escola precisa ensinar o aluno a declarar imposto de renda, o advogado diz que a escola precisa ensinar direito constitucional, o profissional da saúde diz que a escola deve ensinar primeiros socorros, o agente de trânsito diz que a escola precisa ensinar sobre o Código de Trânsito e seguimos essa ideia com um looping infinito. A questão aqui não é mostrar que esses temas citados anteriormente não são importantes, a questão é desconsiderar as necessidades dos alunos, principalmente aqueles que possuem alguma condição que necessite de um apoio mais individualizado. Essa visão deturpada que institui uma imposição da produtividade, exclui crianças e adolescentes que não se encaixam nesse contexto, além de provocar uma sobrecarga de trabalho dos professores e um inchaço do currículo escolar, influenciando em uma das piores reformas já feitas no Ensino Médio em toda a história educacional do país, principalmente em sua condição de aplicabilidade. É impossível para a escola recepcionar tudo aquilo que as pessoas acham importante e que deveria ser ensinado.

A Lei de Diretrizes e Bases diz que a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Falamos em futuro e achamos que inovar é usar tecnologia em sala de aula, o que é um erro. No filme citado no início desse texto, o professor Nikumbh conseguiu, através da sensibilidade, reconhecer as potencialidades de uma criança excluída e vista pelos colegas e até por seus familiares, como um problema. Ishaan era um artista e a arte o salvou.