As amantes de Dom Bibiano

23 de março de 2022 Off Por funes

As amantes de Dom Bibiano por José Mota Victor

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 23/07/2021 .

No final da semana passada, fiz um trabalho de arqueologia literária para encontrar na Biblioteca Armorial do Pinharas vestígios da obra do singularíssimo poeta Francisco Otaviano de Almeida Rosa. Trabalho penoso e gratificante que me fez abrir um acervo especial na estante dos “românticos” poetas brasileiros. Finalmente encontrei, depois de folhear dezenas de exemplares de 1967 da revista O Cruzeiro, uma reportagem sobre as cartas secretas das amantes do Imperador Dom Pedro II. En passant, escrevi em Bissextos do Pinharas e Alhures, publicado no jornal A União de 25 de junho de 2021, sobre os deslizes de dona Eponina Moniz Barreto, esposa do “plenipotenciário” poeta carioca. Descobri que o assunto veio à tona quando o historiador José Pires dos Santos, remexendo em uns velhos cartapácios do Arquivo Nacional, encontrou um embrulho empoeirado amarado com barbantes: eram cartas amorosas enviadas e recebidas pelas amantes do Imperador do Brasil. As missivas foram escondidas por Tobias Medeiros, historiador do Império, com o objetivo de preservar a reputação de Dom Pedro II. A máscara de homem austero e tímido finalmente caiu e a história amorosa escondida nos subterrâneos do Império veio a público depois da publicação das cartas em fac-símile pela revista O Cruzeiro.

É assunto para ser tratado aqui? Não sei. Pergunto como Vicente de Paulo Vicente de Azevedo: Seria futilidade “ocupar-me da vida amorosa de poetas”?. Apenas sei que o adultério é matéria-prima para os poetas bissextos que, ao longo dos anos, produziram excelentes poemas de saudades, dores, mortes, decepções, amarguras e traições. Então, vamos em frente, falar um pouco sobre o espinho que dilacerou o coração do apaixonado poeta carioca.

Os amigos de Otaviano já desconfiavam… e confirmaram a suspeita quando descobriram entre os seus papéis o melancólico poema Nessum Maggior Dollor:

Ai! Nesta vida tão fecunda em mágoas, Qual é a maior dor? Conhecer-se que é vil uma mulher E ainda ter-lhe amor!

Agora vamos fazer uma pausa na investigação para entender melhor quem era esse poeta tão esquecido pelos biógrafos do Brasil. Nasceu na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1825, e só foi legitimado depois do casamento dos seus pais. Hélio Lôbo afirmou que Octaviano era filho de um casal de gente de cor e Almeida Nogueira o descreveu como “moreno pálido”, o visconde de Taunay, que o escolheu como patrono na Academia Brasileira de Letras, não fez referência a sua cor. Naquela época o preconceito era muito grande e a economia do Brasil estava fundada no trabalho servil dos negros escravos, mas mesmo assim, com muito sacrifício, aos 15 anos, matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo. Aos 16, traduziu Os Cantos de Selma, de Ossian. Dominava o francês e o inglês, estudou alemão e se dedicou ao estudo do grego para ler os clássicos latinos no original.

Dedicou-se a política e era considerado o mais elegante jornalista de sua época, mas a vocação era para as letras. Fez uma confissão:

Aí! Posso dizer como Schiller: Eu também! Eu também nasci na Arcádia Na doce veiga de beleza eterna!

O poeta Francisco Octaviano de Almeida Rosa era extremamente irônico, inteligente, diz a lenda que foi ele quem escreveu, para um certo desafeto calvo, essa interessante quadrinha:

Ó que mísera cabeça!

 Vejam só, que desconsolo!

Por fora não tem cabelo,

 Por dentro não tem miolo!

Os seus poemas eram decorados e recitados em serenatas. A popularidade do bardo carioca era tanta que Couto de Magalhães encontrou numa casa da rua do Ouvidor, escrita na parede, uma poesia do poeta:

Oh! Se te amei! Toda manhã da vida Gastei em sonhos, que de ti falavam; Nas estrelas do céu lia teu nome Ouvia-te nas brisas que passavam.

Acredito que no pequeno espaço da coluna fiz, em rápidas pinceladas, uma singela apresentação do poeta. Agora, vamos continuar na investigação da vida amorosa da companheira do poeta que era filha do proprietário do Correio Mercantil, jornal no qual o marido era diretor. Não quero aqui insinuar que Sua Majestade Imperial, o magnânimo imperador do Brasil, repetiu o gesto do rei Davi que, apaixonado pela deslumbrante Betsabá, enviou o seu marido Urias para ser morto na frente da batalha.

 Mas o certo é que, estranhamente, D. Pedro II escolheu o poeta como plenipotenciário para negociar e assinar na cidade de Buenos Aires o Tratado da Tríplice Aliança, um acordo de guerra entre Brasil, Argentina e Uruguai contra o governo de Solano Lopez. O guerreiro heteu foi morto no campo de batalha, mas Otaviano voltou ao Brasil e no dito mês foi agraciado com o título de Conselheiro do Império. Era o reconhecimento pelos serviços prestados a nação, Dom Bibiano era um gentleman. É como diz o ditado popular: “Filho de peixe, peixinho é”.