Patos e sua 1a Festa Folclórica

23 de março de 2022 Off Por funes

Patos e sua 1a Festa Folclórica por Damião Lucena.

 

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 26/11/2021 .

 

Muitas foram as manifestações culturais registradas em Patos até o ano de 1973, quando, no período de 21 a 25 de agosto, por iniciativa da Associação dos Professores do Colégio Estadual, a cidade vivenciou sua 1ª Festa Folclórica, trazendo uma diversidade das características nordestinas, com apresentações e personagens, inclusive de repercussão nacional, a exemplo do paraibano Ariano Suassuna, responsável por uma das palestras, versando sobre “Literatura de Cordel e Romanceiro Brasileiro”, para um grande público que lotou as dependências do Cine Eldorado.

 A programação teve início em um desfile, com a participação de escolas e instituições locais, trazendo, entre outras atrações, carros alegóricos relacionados às tradições dos estados nordestinos. Outros destaques foram as figuras de romeiros, vaqueiros, negros dos pontões, além de representações das cavalhadas, reisados, congados e banda de pífanos.

Paralelo aos eventos móveis, aconteceram exposições de tipos nordestinos e arte popular, sediadas no salão do Centro Cívico do educandário. Várias danças folclóricas foram apresentadas no Patos Tênis Club. O evento foi precedido de uma grande pesquisa, através da qual os alunos mergulharam nas minúcias de nossas manifestações artísticas, compreendendo a grande importância da cultura nordestina, oportunizando-se de suas práticas mais peculiares.

A 1ª Festa Folclórica de Patos teve em sua coordenação uma competente equipe de docentes, a partir de sua presidente, a professora Adalmira Marques da Silva Cajuaz, Terezinha Gloriete Pimentel (vice -presidente), Maria do Socorro de Almeida Nóbrega (1ª secretária), Maria de Lourdes Medeiros (2ª secretária), Lien Tywatn Nio (1ª tesoureira), Josemar de Brito (2º tesoureiro), Manoel Clementino de Sousa (orador), Clévia Porto Coelho (diretora social), Els Guedes (representante dos estudantes), e Sebastião Firmino da Costa – Bastinho (diretor de esportes).

 Um fato inusitado que acabou perpetuado nos anais do evento aconteceu com o folclorista Ariano Suassuna que, após a palestra que proferiu, fora agraciado com vários produtos sertanejos: queijo de coalho, chouriço, manteiga da terra, doce de leite, feijão verde e um cabrito.

 Para levá-lo de volta a sua cidade de morada, com todas as doações, já não dava certo de carro pequeno, como o fizeram na vinda. Providenciaram, então, a caminhoneta do agropecuarista e político Arlindo Wanderley que, na subida da serra de Teixeira, quebrou, criando atraso e constrangimento para o convidado. O mais interessante residiu no argumento de algumas pessoas, que afirmavam ter sido castigo pela maldade, segundo as referidas línguas, que o dramaturgo havia feito com o Padre Assis, que ficou incomodado com seus versos picantes. Tudo contornável, claro! Ressaltar, ainda, o grande destaque dado aos saudosos e históricos poetas: Inácio da Catingueira (escravizado por Manoel Luiz de Abreu) e Romano da Mãe D’água, que protagonizaram a maior cantoria (peleja) já realizada em toda a história da modalidade cultural, em todo o mundo, por volta de 1870, com duração de oito dias, no Largo da Igreja Velha, hoje dedicada à Nossa Senhora da Conceição, situada na praça Edivaldo Motta, no centro de Patos.

A importância desse acontecimento cultural fora eternizada através das citações de grandes escritores: Luiz Nunes (Inácio das Catingueira – o gênio escravo), Nelson Lustosa Cabral (Paisagens do Nordeste), Luiz Cristovão dos Santos (Brasil de Chapéu de Couro), Coutinho Filho (Violas e Repentes), Padre Manoel Otaviano (Inácio da Catingueira), Luiz da Câmara Cascudo (Vaqueiros e Cantadores), Chagas Batistas (Cantadores e Poetas Populares), Leonardo Mota (Violeiros do Norte), Nélson Diógenes (Brasil Virgem), Antônio Freire (Revolta e Repentes) e Graciliano Ramos (Viventes das Alagoas).

Tomando por base fragmentos da história, alguns versos fisgados na inesquecível peleja cultural, também lembrados na 1ª Festa Folclórica de Patos, que jamais serão apagados da memória nordestina:

Negro me diga o seu nome, / Que eu quero ser sabedor, / Se é solteiro ou casado, / Aonde é morador, / Se acaso for cativo, / Diga quem é seu senhor. // Eu sou muito conhecido, / Aqui por essa ribeira, / Este é o seu criado, / Inácio da Catingueira. / Dentro da Vila de Patos, / Compro, vendo e faço feira. // Negro vieste a Patos, / Procurando quem te forre, / Volta pra trás, meu neguinho, / Que aqui ninguém te socorre, / E quem cai nas minhas unhas, / Apanha, deserta ou morre. // Seu Romano, eu vim a Patos / Pela fama do senhor, / Que me disseram que era / Mestre e rei de cantador, / E que dentro de um salão / Tem discurso de doutor.

Inácio morreu em 1879, e Romano, em 1891. Os dois corpos repousam em terras do Teixeira, mesmo um sendo originário da Catingueira. Trecho de Violeiros do Norte, de Leonardo Mota: “Formidável negro esse Inácio da Catingueira! A que alturas não teria ascendido na sociedade brasileira, como Patrocínio e Cruz e Souza, se não fora a fatalidade da sua condição de escravo e outro tivesse sido o palco da atuação de seu gigantesco espírito! Dele se pode repetir o que Emílio de Menezes disse de Patrocínio: Negro feito da essência da brancura, esse que a terra em seu seio cobre, sois porjeva pela pele escura…”.