“Um padrão de virtudes antigas”

23 de março de 2022 Off Por funes

“Um padrão de virtudes antigas” por José Mota Victor.

 

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data de 19/11/2021 .

 

O escritor José Permínio Wanderley no seu singelo livro Retalhos do Sertão faz um comentário sobre o prefeito Firmino Ayres Leite: “Quando as esperanças eram as mais fagueiras em sua administração, surge um caso de família. Julgou-se ele sem condições de continuar e pediu demissão irrevogável do cargo ao presidente da província, passando o cargo para o seu substituto legal”.

Quando li esse trecho do livro fiquei interessado em saber que “caso de família” era esse, mas a parentela tinha se encarregado de colocar uma pedra no assunto, ninguém informava sobre o episódio constrangedor que levou o médico da tradicional família sertaneja a renunciar ao cargo de prefeito da capital do Sertão paraibano. Tempos depois, como presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Patos, promovi uma viagem de estudos a Serra do Talhado, no famoso Quilombo da região do Sabugi, que ficou conhecido nacionalmente devido ao documentário Aruanda, do consagrado diretor paraibano Linduarte Noronha.

Na comitiva estava minha amiga e confreira Euzary Ayres de Lacerda, esposa do ex-prefeito Otávio Pires de Lacerda e prima do prefeito demissionário da história que estamos contando. Questionada sobre o assunto não hesitou em contar a versão verdadeira dos fatos: Firmino Ayres Leite tinha na sua administração se dedicado carinhosamente a arborização da cidade.

Plantou os primeiros ‘fícus’ para embelezar as avenidas de Patos. Como era muito caprichoso passou uma ordem severa para o delegado:

– Prenda quem derrubar uma árvore. Tiburtino Leite, seu irmão solteiro, boêmio, depois de bebericar numa espelunca da cidade, descumpriu a ordem do prefeito e duvidou quem tinha coragem de prendê-lo.

Firmino Ayres Leite, homem de palavra e respeito, não titubeou e mandou prender o irmão. Dona Capitulina Ayres Sátyro, sua mãe e esposa do Coronel Miguel Sátyro, ficou desesperada e pediu ao prefeito que relevasse o ocorrido e soltasse o irmão. O filho atendeu o pedido da mãe e imediatamente enviou ao presidente João Pessoa sua carta de renúncia. Firmino Ayres nasceu na fazenda Bela Vista no início do século 20, a mesma fazenda onde nasceu o famoso cantador Inácio da Catingueira. Foi morar na cidade de Patos depois que sua mãe ficou viúva do Dr. Inocêncio Leite e casou com o Major Miguel Sátyro, viúvo de Dona Maria Gomes, filha do Capitão Manoel Gomes dos Santos, adjunto de promotor.

Foi nomeado novamente prefeito de Patos no governo de Argemiro de Figueiredo, mas pediu demissão depois da queda do governador. Era formado pela Faculdade Nacional de Medicina do Rio de Janeiro. Foi o primeiro ecologista da região das Espinharas. Em 1981, depois de sua morte, os seus filhos publicaram, em homenagem à sua memória, o livro de sonetos Mugidos e Aboios. Firmino Ayres Leite era um telúrico poeta bissexto, meio-irmão de Ernani Sátyro, filho do primeiro casamento de Dona Capitulina. Abriu mão do cargo de prefeito de Patos para atender o pedido de dona Capitulina, sua mãe. Poderia dizer dele o que José Américo disse do seu padrasto Miguel Sátyro: “Um padrão de virtudes antigas”.

Depois, com carinho e saudade, escreveu para matriarca da família o soneto Mãe:

 

Fez um ano que a tua mão de arminho

 Beijei sobressaltado e comovido;

Palmilhavas um lúgubre caminho

Pelos nossos temores pressentido.

 

Com que doçura, então, com que carinho,

Terno “Deus te abençoe” foi proferido,

 Na mansão sertaneja, o velho ninho,

Hoje só de tristezas envolvido.

 

Quando nele penetro a mente iludo,

 Porque se não te vejo, na verdade,

Meu amor filiar te encontro em tudo…

 

Vou contrito ao teu quarto de oração,

 Em romagem de pranto e de saudade,

 Oferecer-te lágrima em vão.