Ernani Sátyro como operador do direito

22 de março de 2022 Off Por funes

Ernani Sátyro como operador do direito por Flávio Sátiro Fernandes

 

Texto extraído da coluna Funes do Jornal a União publicado na data  de 16/04/2021 .

 

Ernani Sátyro, que, desde menino, sempre acompanhava o pai, quer nas reuniões políticas, quer nos encontros sociais, quer, ainda, nas audiências que se realizavam no foro local, foi sedimentando em seu espírito os diferentes caminhos que iria trilhar, na política, na advocacia, na literatura.

O encaminhamento de Ernani Sátyro para os estudos jurídicos deu-se, naturalmente, ao influxo das atividades forenses do velho Miguel Sátyro, seu pai e chefe político das Espinharas, que preferia ao trabuco e ao rebenque os instrumentos legais com que defendia os seus correligionários, nas causas cíveis e criminais em que ele próprio interferia como dedicado solicitador, postulando em favor das causas legítimas. Dá Ernani Sátyro um depoimento de como, na fase em que ele e seu irmão Clóvis Sátyro, em momentos diferentes, começaram a advogar, ainda não formados, eram orientados por Miguel Sátyro: “Pegando os autos e nos fazendo ler depoimento por depoimento, perícia por perícia, parecer por parecer, sentença por sentença”. Tendo ingressado na Faculdade de Direito e vindo a Patos em férias, Ernani Sátyro foi surpreendido com a seguinte determinação de seu pai: “Vai haver júri depois de amanhã e você vai defender o réu Bate-Sola”. O futuro Bacharel quase cai para trás, exclamando: “como é que eu vou defender um réu, se nunca vi um processo na minha vida”.

Voltando ao Congresso Nacional, outras oportunidades surgiram para demonstração de sua capacidade jurídica

  Mas o velho Miguel Sátyro não aceitou o motivo para a recusa, afirmando: “Não tem importância. Faça uma introdução literária, uma peroração bem bonita, como você sabe fazer. E o processo, eu vou ensinar como é que se lida com ele”. E por seguir as orientações do experiente rábula, o acadêmico Ernani Sátyro obteve sua primeira vitória como advogado, conseguindo a absolvição de “Bate-Sola”.

Em 1933, Ernani Sátyro colou grau na Faculdade de Direito do Recife, o antigo e tradicional estabelecimento, que durante muitos anos foi a grande “Meca” do ensino jurídico no Nordeste. Faziam parte daquela turma vários paraibanos, dentre os quais, Napoleão Nóbrega, Ascendino Nóbrega, Mário Pessoa e outros mais. Logo após concluir o curso jurídico, Ernani Sátyro voltou à terra natal, disposto a dedicar-se à advocacia, à prática forense. Mas, nele, o exercício da advocacia seria marcado por intermitências, ditadas pela atividade política.

Logo após chegar a Patos, Ernani Sátyro não pôde recusar o chamamento de seus amigos, para se engajar na atividade partidária. O velho comandante das Espinharas encontravase enfermo, sem condições de conduzir o seu burgo com a mesma disposição de antanho, e Ernani Sátyro não via como abandonar seu pai e, sobretudo, os seus correligionários que só nele confiavam para substituir o antigo chefe político. Assim, decidiu-se Ernani Sátyro por ingressar na política, elegendo-se, em 1934, deputado à Assembleia Constituinte Estadual de 1935. Daí até 1940, esteve Ernani Sátyro inteiramente afastado da advocacia, exercendo o cargo de deputado Estadual e outras funções políticas.

 A partir desse ano, voltou Ernani Sátyro às atividades de advogado, em Campina Grande, Patos e Comarcas adjacentes. Foram vários anos de intensas disputas forenses, nos mais diversos ramos, notadamente, direito penal e direito civil, nas suas diferentes modalidades. Por essa época, entrou em vigor um novo Código Penal (DL 2.848, de 7 de dezembro de 1940), trazendo várias inovações ao direito criminal brasileiro. Debruçando-se sobre os princípios e normas introduzidos pela nova legislação, Ernani Sátyro publicou uma plaqueta intitulada O Novo Conceito de Legítima Defesa. Com a redemocratização do país, em 1945, resolveu dar prosseguimento à sua carreira política e isso determinou uma nova interrupção em sua atividade advocatícia. Forçado a interromper a atividade parlamentar, por problemas de saúde, ingressou no Superior Tribunal Militar, onde, mais uma vez, deu mostras de seu conhecimento jurídico. Deixando aquela Corte, viu-se guindado ao cargo de governador da Paraíba, em que levou uma das mais operosas administrações.

 Voltando ao Congresso Nacional, outras oportunidades surgiram para demonstração de sua capacidade jurídica. Nessa nova fase, atuou como relator de projetos em que os aspectos políticos eram importantes, mas em que os lances jurídicos sobrelevavam, bastando citar dois deles: projeto de lei referente à concessão de anistia aos implicados nos movimentos subversivos anteriores e posteriores ao movimento de 1964 e o grande monumento jurídico-legal que foi seu parecer sobre o projeto de lei que redundou no novo Código Civil Brasileiro.

É este, em apertada síntese, o retrato de Ernani Sátyro como operador do direito, em diferentes fases de sua vida, desde os albores de seu curso na tradicional Faculdade de Direito do Recife.